Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Bruno Giesteira
Faculdade de Belas Artes da U.Porto (FBAUP) / Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+)

Percurso ligado ao Design Centrado no Humano e Interação Humano-Computador


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto, e de quando e como surgiu o seu interesse pelo Design Centrado no Humano e Interação Humano-Computador.
O meu interesse pelo Design Centrado no Humano em Contextos Computacionais é anterior ao meu percurso científico. Para além das empresas e estúdios de design em que trabalhei, ainda no final dos anos 90, constituí uma empresa orientada ao Web-Design (repare que nos encontrávamos ainda numa altura muito insípida da atuação profissionalizada do design no contexto da web… Não me tendo sido possível, inclusive, registar a designação social da empresa com o termo «web»), percebendo, desde cedo, a relevância de atender às diferentes necessidades e expectativas das pessoas no design da interação num contexto: a web, com características específicas. Era para mim óbvio que o design - o qual, etimologicamente, nos remete para «desígnio», «planeamento», «signo» - tinha de repensar os métodos de projeto, mais e mais centrados no humano, e nas suas especificidades físicas, cognitivas e emocionais.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos na sua carreira que tenham sido mais relevantes para si?
Tenho a sorte de ter tido uma experiência profissional diversa, mas sempre assumindo como leitmotiv o design de comunicação e interação. Tive, primeiramente, uma carreira fora da Universidade, cujo percurso, de forma absolutamente orgânica, me conduziu a colaborar paralelamente com algumas Instituições de Ensino Superior como o ISMAI ou o Instituto Politécnico do Porto. Foram anos que, confesso, recordo com (boa) nostalgia, pois foram muitíssimo aliciantes e de um imenso crescimento, pessoal e profissional. Até que a Universidade do Porto se cruzou no caminho e, pela primeira vez, me motivou a ponderar mais estrategicamente sobre o meu percurso profissional. Fui confrontado, em 2002, com a perspetiva de me assumir exclusivamente como Académico. Em detrimento de destacar três marcos na minha carreira na Universidade - bastaria, para o efeito, consultar o meu Ciência Vitae :) -, permita-me antes enaltecer três particularidades, ainda que prosaicas, do meu percurso profissional que, julgo, marcam de forma indelével a forma como me posiciono e sinto a Academia, tanto na qualidade de docente como na de investigador:
- A primeira, ainda como estudante de licenciatura, com a frequência de estágios profissionais ao longo de todo o curso; situação que, por felicidade, foi unicamente motivada pelo desejo de complementar a formação académica com a práxis laboral;
- A segunda, com a criação da empresa sobredita em 1999, que muito contribuiu para o desenvolvimento de outras competências associadas ao planeamento e gestão de equipas;
- A terceira, subjacente ao convite e posterior integração na carreira universitária na Universidade do Porto, em 2002, que me permitiu abraçar projetos de perfil investigativo inimagináveis noutros contextos, nos quais destaco os inúmeros em que participei na qualidade de prestador de serviços externos pela Universidade do Porto no Instituto Fraunhofer-AICOS, na qualidade de responsável pela equipa de Interação Humano-Computador para Países em Desenvolvimento/Emergentes, ou, com o próprio Núcleo de Apoio à Inclusão desta Universidade, com quem colaboro de forma próxima há muitos anos, mormente no desenvolvimento de ferramentas de apoio a necessidades educativas específicas. Também ao nível pedagógico, a possibilidade de ser coautor de pós-graduações inovadoras nas áreas em que atuam e na abordagem curricular baseada em projetos intersticialmente relacionados com a I&D - casos das pós-graduações em «Design de Interação e Jogos» (parceria FBAUP-FEUP-UPTEC) e «Design de Tecnologias para a Saúde» (parceria FBAUP; FMUP; FEUP; Fraunhofer-AICOS).

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+)?
Até dezembro de 2022, encontrava-me como investigador afiliado no INESC TEC, no grupo agora designado de HumanISE. É, pois, muito recente este vínculo ao ID+ que, na qualidade de co-coordenador do grupo ‘HEAD, Health + Design Lab.’, é motivado pelo ensejo de agregar massa crítica no Design Centrado no Humano, orientado às áreas da saúde e bem-estar. São várias as iniciativas projetuais, curriculares e investigativas que tenho conseguido dinamizar, e que contam com um ecossistema privilegiado da Universidade do Porto, contribuindo para o estudo do Design, nomeadamente em contextos computacionais, associado às áreas da Saúde e Bem-Estar. São exemplos os designados Institutos de Investigação, como é o caso do Fraunhofer-AICOS e o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), assim como o Núcleo de Apoio à Inclusão, o Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) e o Parque de Ciência e Tecnologia (UPTEC), que é, aliás, parceiro nas pós-graduações sobreditas e que, resultante destas experiências profícuas, assinará em breve com a FBAUP um protocolo de colaboração institucional, desta feita orientado à Licenciatura em Design de Comunicação, da qual assumo atualmente a direção. Pretendo, pois, traduzir esta dinâmica no grupo HEAD, Health + Design Lab., que coordeno conjuntamente com a colega Prof.ª Joana Quental, da Universidade de Aveiro, articulando esta rede de parceiros com iniciativas investigativas e curriculares no contexto do consórcio universitário EUGLOH (Aliança Europeia Universitária para a Saúde Global), de cujo Comité Académico faço parte.  

No seu currículo, conta com diversas participações em projetos, muitos deles, como investigador principal. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
Lamentavelmente, perceciono como mais valorizado a publicação, o artigo científico que, per se, pode ser de fraca qualidade e, arrisco mesmo a dizê-lo, contraproducente. Vivemos numa fase perigosamente mercantilista das publicações. E a investigação, a arte, a cultura, como atos humanos detentores de significado e instigadores da observação, introspeção e conhecimento, precisam de tempo. De um tempo que não é, necessariamente, conducente com o Cronos das publicações e das avaliações anuais da produção investigativa dos docentes. Estamos, como comunidade Académica, a incorrer num equívoco. A escravatura do Paper não nos conduzirá a uma melhor investigação.  

Quando se fala em Interação Humano-Computador (IHC), do que se fala? É um campo amplo de investigação e atuação?
Como diz, é ‘um campo amplo de investigação e atuação’. A Interação Humano-Computador (IHC), decorre da Ergonomia (esta, que data do período pós-guerra, 1949, e que em muito contribuiu para novas soluções ao nível das telecomunicações e artefactos bélicos), tendo assumido a sua autonomia técnico-científica em 1983. Tal decorre, naturalmente, de uma autonomização paulatina, mas cujo ano de 1983 é a epítome desse percurso, por via de três eventos mundiais relevantes:
- O Lançamento do livro de Stuart Kard, Thomas Moran e Allen Newell, ‘The Psychology of Human-Computer Interaction’, que tenta sistematizar a forma como o Humano processa a informação e reage perante a mesma considerando métricas relacionadas com a motricidade, fatores percepto-sensoriais e cognitivos;
- A primeira conferência da Association for Computing Machinery (ACM), com um grupo de interesse especificamente dedicado à IHC (SIGHCI);
- Por fim, a divulgação do primeiro Apple Macintosh, que seria lançado em 1984, e cujo design da interação revolucionou a forma como o humano interage com o computador, massificando a sua utilização.

Como se posiciona Portugal face a outros países na Europa, no que concerne à relação entre investigação e tecnologias em IHC?
Sendo a Interação Humano-Computador uma área de conhecimento transversal e interdisciplinar, não me parece avisado falar sobre a mesma sem considerar o contexto económico, social e tecnológico português. Tenho a perceção de que áreas emergentes com Machine-Learning, Inteligência Artifical, Linked Data, entre outras, têm tido contributos notórios de colegas portugueses ao nível internacional. Estas áreas de atuação, eminentemente tecnológicas, traduzem-se em novas formas de pensar o diálogo Homem-Máquina. A Máquina, mais e mais autónoma como agente ativo na interação com o Humano, e este, com a possibilidade de redimensionar as suas atividades mundanas - na sua eficácia e eficiência, mas também no seu significado e valor simbólico. Isso é particularmente notório nas áreas da Saúde e Bem-Estar, em que mais atuo.

Ao pensar em tecnologia, associa-se muito o termo com «resultados práticos visíveis» ou mesmo com «produtos». Quais são, e quais podem ser no futuro, os impactos da investigação na área de IHC para a sociedade?
Observo, até em contraponto com outros colegas que atuam na área, duas frentes de trabalho autónomas, mas que se complementam: a primeira, mais orientada à compreensão da Inteligência Artificial no design da interação; a segunda (onde me integro) mais centrada no estudo do Humano. A Máquina, com uma inteligência procedimental, que dialoga com o Humano, que se distingue de outros hominídeos pela sua inteligência profundamente emocional. Aliás, esta questão da inteligência emocional e sua relação com o corpo (embodied design) parece-me fundamental de se considerar no design da interação, em contextos computacionais cada vez mais ubíquos e multimodais. Em última instância, sob um ponto de vista fenomenológico e filosófico, poderemos dizer que a IHC poderá contribuir para a reflexão sobre o que define o Humano. Sendo este um animal visceralmente imagético (pensamos por e com imagens) e corpóreo (a inteligência emocional organiza-se e é interdependente da morfologia de um corpo orgânico, com impacto nos processos de decisão, atenção, memória, significados, relações…), de que forma podemos promover o potencial humano ao longo da vida (saúde, bem-estar, educação), articulando-o com agentes computacionais?  

As novas tecnologias colocam novos desafios, que não são apenas técnicos ou subjacentes ao trabalho de investigação, mas éticos. Em relação à IHC, quais são as questões que mais surgem? E têm os investigadores lidado com elas?
Pessoalmente, tenho atuado sobretudo nas áreas da saúde e bem-estar humano. O design da interação em contextos computacionais, na área da saúde, lida não só com dados individuais, mas com contextos clínicos particularmente sensíveis. Neste âmbito, grande parte do trabalho tem de passar previamente pela aprovação de Comissões de Ética, salvaguardando-se não só questões de privacidade de dados, de momento razoavelmente bem regulamentadas com o RGPD mas, sobretudo - e diria que esse é o maior desafio -, metodológicas. Os métodos de Design Centrado no Humano, tantas vezes em cocriação com os próprios pacientes, familiares e corpo clínico, não só devem ser pouco intrusivos, como devem também promover a confiança e a empatia entre as pessoas. Empatia e confiança, na Interação Humano-Computador e na área da Saúde, são fatores basilares para o desenvolvimento dos artefactos de apoio clínico, assim como para o seu uso por parte das pessoas. É um grande desafio, que nos tem motivado a repensar métodos de cocriação com as pessoas (explorando, por exemplo, abordagens ludificadas) e a avaliação iterativa dos artefactos clínicos, cuja componente emocional, para além da eficácia e eficiência, é cada vez mais valorizada, no sentido de promover uma interação com o sistema que seja segura, facilmente apreendida e emocionalmente positiva.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área de investigação como de uma forma mais geral?
Arrisco uma resposta breve. Considerando a precariedade de muitos colegas investigadores, os baixos salários praticados em geral em Portugal, o número de horas letivas, e as responsabilidades de gestão universitária que um Professor Universitário assume em relação a vários dos seus pares Europeus, os resultados são excecionalmente bons! Em condições notoriamente desiguais em comparação com os países desenvolvidos mais ricos, nomeadamente na União Europeia, temos índices de produtividade e de impacto da investigação notáveis ao nível internacional.

Dado o contexto atual em que vivemos, nomeadamente, um contexto pós-pandémico com os efeitos de um conflito militar em território europeu, quais considera que serão alguns dos futuros desafios, relacionados com a ciência e a inovação, que a investigação enfrentará nos próximos anos?
É reconhecido que os períodos pós belicistas, destrutivos, são tradicionalmente propulsores de investimento e novas soluções de reconstrução e/ou dinamização da economia. Tal aconteceu com o plano Marshall, pós segunda guerra mundial e, de forma análoga, sucede no contexto da União Europeia com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e, especificamente na minha área de atuação, com o movimento proposto pela Comissão Europeia, o New European Bauhaus (NEB), que interpela a comunidade artística, arquitetos, designers, etc., a conceber soluções que contribuam para o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), sob o leitmotiv: Estética; Sustentabilidade; Inclusividade (beautiful, sustainable, together). Estas iniciativas, NEB e PRR, revestem-se de financimentos europeus que, estou convicto, terão efeitos positivos relevantes na investigação aplicada nas áreas da saúde global, nomeadamente no combate e adaptação às alterações climáticas, interpelando-nos (os agentes da Universidade) a refletir e a atuar de uma forma concertada e interdisciplinar - condições para o sucesso que, em estruturas organizacionais de grande escala, como é o caso da Universidade do Porto, são subjacentemente desafiantes.    





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