Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Duarte Torres
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) / Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)

Cofundador da SnoodFoods


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Licenciei-me na FCNAUP. No início do meu percurso profissional, trabalhei em alguns projetos na área das ciências dos alimentos na FFUP, no Laboratório de Bromatologia, e depois na FEUP, no Laboratório de Reologia dos Alimentos. Nessa altura fui também monitor, e depois assistente, no serviço de Bioquímica da FMUP, onde colaborei na lecionação das aulas laboratoriais. Depois de concluir o Mestrado e Doutoramento na Universidade do Minho, no Departamento de Engenharia Biológica, na área das ciências e tecnologias alimentares, regressei à U.Porto e ingressei na carreira de docente, na FCNAUP, onde leciono as unidades curriculares de Toxicologia Alimentar e Avaliação de Risco, e Tecnologia Alimentar e Inovação, entre outras. Mais recentemente, estive muito envolvido na preparação das ferramentas que vieram a ser utilizadas no Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF 2015-2016), para avaliar o consumo alimentar e nutricional da população portuguesa, razão pela qual passei a integrar a equipa da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP. Este projeto foi marcante, pois permitiu recolher informação que o nosso país não tinha há mais de quatro décadas, e que é essencial para o diagnóstico e para a definição de estratégias com vista à adoção de hábitos de consumo mais saudáveis e sustentáveis. Desde então, os dados recolhidos têm sido utilizados por muitos investigadores, nacionais e internacionais, para os mais variados objetivos, desde a avaliação da adequação alimentar e nutricional, a caracterização do risco para a saúde decorrente da exposição populacional a perigos químicos de origem alimentar, ou a avaliação do impacto ambiental da dieta. Os avanços metodológicos que implementamos para avaliar o consumo alimentar da população portuguesa permite que estes dados integrem atualmente as bases de dados da EFSA e da FAO/OMS. Paralelamente, tenho coordenado vários projetos de pequena dimensão na área do desenvolvimento de novos produtos alimentares, utilizando as leguminosas como matéria prima principal.

Sendo Cofundador da SnoodFoods, pode falar-nos um pouco de como surgiu a ideia de apostar num snack feito a partir de leguminosas, e sobre qual tem sido o feedback por parte dos consumidores?
O objetivo principal foi contribuir para aumentar o consumo de leguminosas. Os dados do IAN-AF mostram que o consumo de leguminosas é menor que o recomendado e, por isso, pensamos em produtos que pudessem alargar os momentos em que são consumidas. Chegamos à ideia de um snack, tipo chips, feito a partir de farinha de leguminosas, cozidos no forno e temperados com ervas aromáticas, especiarias e frutos, que pudessem ser consumidos em qualquer lugar e em qualquer momento do dia.

Por que razão a ervilha, o feijão vermelho e o grão de bico foram as leguminosas chave, ou de arranque, da SnoodFoods?
Quisemos ter uma gama alargada de produtos. Foram testadas várias leguminosas, numa primeira fase, e estas foram as que tiveram o melhor comportamento tecnológico, mas o objetivo é expandir a gama de leguminosas e, se possível, utilizar variedades de leguminosas autóctones nacionais. Queremos contribuir para o desejável desenvolvimento da cadeia de valor associado à cultura das leguminosas em Portugal. As leguminosas são plantas com elevado valor nutricional e, também, muito importantes para a saúde dos solos agrícolas.

Na sua opinião, como se posiciona Portugal face a outros países da União Europeia na produção e consumo de leguminosas?
A utilização gastronómica das leguminosas em Portugal tem uma grande tradição. Muito pratos emblemáticos, de várias regiões, incluem leguminosas. Até na doçaria usamos leguminosas. Contudo, a produção de leguminosas e o grau de aprovisionamento diminuíram a partir da década de 80, de forma muito significativa. Sobre o consumo, sabemos que é baixo e que não tem aumentado.

Pode dar-nos alguns exemplos do que poderia aumentar as sinergias entre instituições de ensino superior e empresas no que respeita à procura de estratégias, cooperação e investigação que respondam às necessidades mais urgentes de um sistema agroalimentar sustentável?
A agenda europeia atualmente coloca estes temas como prioritários. Temos o grande conjunto de iniciativas do Green Deal, onde se insere a estratégia europeia Farm to Fork, que inclui instrumentos financeiros para a apoio a projetos que visem melhorar a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares e melhorar a qualidade nutricional dos alimentos que consumimos. Há oportunidades para quem quer trabalhar na procura de soluções para estes problemas. É preciso que sejamos capazes de mobilizar recursos para liderar e participar em propostas fortes que envolvam empresas, instituições de investigação e associações sectoriais e de consumidores.

No seu currículo, é longa a lista de projetos em que esteve envolvido. Qual acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
O mais importante tem sido a colaboração com os colegas dos grupos de investigação em que estive ou estou integrado, e a possibilidade de estabelecer pontes com outros grupos de investigação nacionais e internacionais. O IAN-AF foi marcante nesse aspeto, pois abriu a porta a muitas colaborações internacionais em projetos financiados pela EFSA, que têm enriquecido, técnica e cientificamente, a nossa equipa de investigação.

No seio da unidade de investigação onde está integrado, têm sido desenvolvidos alguns projetos financiados pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA). Que balanço pode ser feito, e que contributos têm dado para a adoção de práticas mais sustentáveis?
A EFSA é um órgão consultivo das instituições governamentais europeias que tem como principal missão produzir e avaliar o conhecimento existente relacionado com a segurança dos alimentos que consumimos e dos novos alimentos que vão surgindo. Mais recentemente, estendeu o âmbito de atuação para a área da nutrição, e é agora a instituição que emana, por exemplo, as recomendações para a ingestão de macro e macronutrientes nos vários grupos populacionais. São estas as áreas em que se inserem os projetos em que temos participado. As questões relacionadas com a sustentabilidade do sistema agroalimentar começam apenas agora a integrar as prioridades da EFSA, algo explanado na sua recente "Estratégia 2027". Espera-se um trabalho mais substancial nesta matéria, nos próximos anos.

Mesmo por via do rigoroso controlo imposto, desde há alguns anos, pela regulamentação Europeia (EFSA – Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), subsiste ainda desinformação, por parte do público, relativamente à transformação e confeção de novos alimentos. Quais sãos os principais mitos que persistem, e onde é que falha a comunicação?
Um dos aspetos que é preciso entender é que os novos alimentos, ou novos ingredientes, são sujeitos a um rigoroso processo de avaliação de risco. Para que seja aprovada a sua comercialização, a sua segurança deve ser demonstrada, através de várias baterias de ensaios toxicológicos. É também preciso entender que há processos regulares de reavaliação da segurança de compostos que estão presentes nos alimentos, por exemplo, aditivos, ou pesticidas. Estes processos de reavaliação levam muitas vezes à retirada do mercado de substâncias que deixam de ser consideradas seguras à luz do conhecimento mais atual. Por exemplo, apenas 25% das substâncias ativas utilizadas nos pesticidas na década de 90 são utilizadas atualmente. A comunicação em saúde é muitas vezes afetada pelo ruído produzido por leigos, que utilizam as potentes ferramentas de comunicação que existem atualmente. Isto não se aplica só à área da nutrição e da segurança dos alimentos - é um problema mais geral, como temos assistido neste contexto pandémico. Penso que a solução mais sustentável é a educação - os cidadãos devem saber reconhecer quem são as instituições competentes nas várias matérias, e distinguir orientações dadas por quem trabalha e estuda os assuntos de tudo o resto.

Embora a atual pandemia COVID-19 represente alguns sérios desafios para o sistema alimentar no curto prazo, também serve como oportunidade para acelerar as transformações no setor agroalimentar e aumentar a sua resiliência diante de uma série de desafios, incluindo as alterações climáticas. Na sua opinião, o que é que se pode melhorar para proteger a biodiversidade, o ambiente agrícola, e promover a segurança alimentar?
São muitas as áreas onde podemos atuar, desde a redução e aproveitamento do desperdício alimentar ao nível da produção, da distribuição e do consumo; a integração de mais e melhor tecnologia para uma melhor gestão dos recursos necessários para produzir alimentos (água, fertilizantes, pesticidas, entre outros); a melhoria da qualidade dos solos; o encurtamento das cadeias logísticas e o aumento da produção alimentar de proximidade; o desenvolvimento de produtos que utilizem fontes de proteína vegetal; a exploração de fontes alimentares não convencionais; a promoção de hábitos de alimentares mais saudáveis, promovendo a frugalidade e o consumo de alimentos de origem vegetal. Se houve alguma vantagem deste período pandémico, foi uma maior perceção de que vivemos num equilíbrio precário. Aquilo que entendemos como garantido, não o é. E também não é garantida a alimentação que temos hoje. Mas o risco diminui se cuidarmos bem dos sistemas produtivos, do ambiente, e dos alimentos que nos chegam a casa.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A evolução do panorama científico em Portugal tem sido notável, mas há ainda muito a fazer. Penso ser prioritário o aumento do financiamento público e privado das atividades de investigação científica, e o aumento dos recursos humanos que se dedicam à ciência. É importante fomentar a colaboração entre as várias instituições e a criação de redes e infraestruturas de investigação de ponta que possam ser partilhadas, racionalizando-se assim os recursos e capitalizando-se os investimentos realizados. É importante fomentar uma maior participação das empresas nas instituições de interface - por exemplo, nos laboratórios colaborativos. É importante ainda estimular a capacidade empreendedora dos estudantes, e apoiá-los no planeamento e avaliação da viabilidade económica e operacional dos seus projetos empresariais.




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