Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Elsa Logarinho
Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S)

Investigação em Biologia do Envelhecimento


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o que mais valoriza no i3S.
Entre 1990-1994: Licenciatura em Bioquímica (na Faculdade de Ciências/ICBAS). De 1997-2002: Doutoramento em Ciências Biomédicas (no ICBAS). De 2009-2012: Investigadora Auxiliar Ciência 2008 (no IBMC). Entre 2013-2014: Investigadora Auxiliar ON.2 - O Novo Norte (também no IBMC). Desde 2015: Directora de grupo (no i3S). Entre 2015-2020: Investigadora Auxiliar iFCT (também no i3S). Finalmente, desde 2020: Investigadora Principal CEEC (no i3S).
O i3S é uma unidade de investigação de excelência, cuja transdisciplinaridade dos programas é favorável a quem estuda envelhecimento. Os programas abordam mecanismos moleculares e celulares, fisiológicos e patológicos, subjacentes às principais doenças associadas à idade avançada como cancro, suscetibilidade a infeções, e neurodegeneração. Tenho o privilégio de colaborar com vários grupos no i3S que fornecem especialização complementar ao grupo. Valorizo também o elevado apoio institucional em termos de plataformas científicas e a unidade transversal de gestão e comunicação. E, sobretudo, valorizo o acolhimento que sinto em toda a comunidade i3S.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Em 2009, após 7 anos na carreira universitária, optei por regressar a uma carreira científica a tempo integral. Foi uma opção arriscada considerando todas as incertezas associadas à carreira científica. Mas, hoje, congratulo-me de ter tomado a decisão acertada. A investigação científica é uma paixão, e dois dos marcos na minha carreira, para além da constituição do meu grupo, coincidem com dois prémios que reconheceram as descobertas mais relevantes: o prémio Pfizer em Investigação Básica (2011), e o Maximom Longevity Prize (2022).

Como coordenadora do grupo de investigação em «Envelhecimento & Aneuploidia» do i3S, desde 2017, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver e ações futuras planeadas?
Actualmente, o grupo de investigação «Envelhecimento & Aneuploidia» é composto por 6 Pós-doutorados, 2 alunos de doutoramento e 2 alunos de mestrado. O grupo utiliza modelos celulares e animais de envelhecimento e aneuploidia para estudar a instabilidade genómica como um mecanismo causal unificador que leva à maioria, se não a todos, os sinais de envelhecimento, e tem vindo a explorar estratégias capazes de mitigar esta causa central do envelhecimento como senoterapias, em doenças da idade avançada e síndromes progeróides (Progeria e Trissomia 21). Demonstrámos que os erros de divisão do material genético aumentam com a idade devido à repressão do gene Forkhead M1 (FOXM1), que codifica um fator de transcrição crucial na manutenção da estabilidade genómica e proliferação celular [Logarinho, Nat Communics 2018]. Demonstrámos que a introdução de uma cópia extra do gene FOXM1 em modelos animais de progeria e envelhecimento natural mitiga a histopatologia associada à senescência, causada pela repressão do gene FOXM1 ao longo da idade, e prolonga significativamente a longevidade em 30% [Logarinho, Nat Aging 2022]. Além disso, identificámos um gene transcrito pelo fator FOXM1, KIF2C como um importante alvo farmacológico, cuja ativação é capaz de reduzir a instabilidade genómica e a via pró-inflamatória induzida por DNA citosólico em células de dadores octogenários e/ou com síndromes progeróides [Logarinho, Embo Rep 2020; dados não publicados]. As características únicas da nossa abordagem multidisciplinar geraram descobertas chave que estão na base dos nossos projetos futuros. Pretendemos elucidar os mecanismos epigenéticos por detrás da repressão do gene FOXM1, identificar polimorfismos do gene FOXM1 associados a longevidade, e demonstrar o efeito da indução do gene FOXM1 na reversão de fenótipos do envelhecimento como a imunossenescência e a neurodegeneração. Também esperamos concluir a validação pré-clínica do tratamento farmacológico como senoterapia em Progeria e Síndrome de Down.

Para si, enquanto investigadora, o que simboliza integrar umas das edições  “Mulheres na Ciência”, lançada pela Ciência Viva?
Sinto-me honrada por integrar o grupo “Mulheres na Ciência”, do qual fazem parte tantas investigadoras que admiro e que me inspiraram. A ciência e a igualdade de género são factores vitais para o sucesso da Agenda 2023 para o Desenvolvimento Sustentável. Apesar de Portugal se encontrar bem posicionado no ranking europeu, ao nível da percentagem de mulheres que desenvolvem atividades de I&D (sobretudo nas áreas STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática), em que representam 57%), esta percentagem surge significativamente reduzida em posições de topo. As edições “Mulheres na Ciência” simbolizam e promovem o trabalho e a afirmação das mulheres na ciência, com vista a encorajar jovens a seguir a carreira científica com otimismo e confiança.

No seu currículo e ao longo da sua carreira, esteve envolvida em vários projetos de investigação, e assegurou um financiamento competitivo superior a 2.5 M€. O que é mais e menos valorizado, pela sua experiência, nos projetos da sua área científica?
Na minha área científica, e no geral, a investigação translacional tem sido sobrevalorizada em detrimento da investigação básica. Os projetos são normalmente classificados com base em três parâmetros: originalidade, impacto e implementação. Recorrentemente, os projetos de investigação básica são penalizados nas secções impacto e/ou implementação. Apesar de atualmente alguns dos meus projetos incluírem uma componente translacional, nenhum deles seria possível sem os projetos iniciais de investigação básica de mecanismo moleculares do envelhecimento. Penso que a ciência ‘curiosity-driven’ tem sido subvalorizada pela necessidade de uma justificação de propósito. A aplicação pode, e deve, ser explorada a posteriori.

A medicina «anti-aging», apelidada de «medicina do futuro», está empenhada em retardar o envelhecimento. Como podemos rejuvenescer? É mesmo possível?
Dada a atual trajetória da biotecnologia do rejuvenescimento, o ritmo das novas descobertas neste campo, e a quantidade de capital a entrar neste sector, a ciência do rejuvenescimento e a biotecnologia irão, muito provavelmente, explodir nos próximos anos. Embora o envelhecimento tenha sido considerado, durante muito tempo, irreversível, estratégias emergentes de rejuvenescimento - fatores sistémicos, manipulações metabólicas, senolíticos e reprogramação celular - têm sido capazes de atrasar, e até reverter, o processo de envelhecimento. Os seus mecanismos de ação, alvos celulares, potenciais trade-offs e aplicação ao envelhecimento humano têm sido largamente estudados. A partir do momento em que o envelhecimento passa a ser considerado uma condição médica, estas terapias irão ser rapidamente implementadas na prática clínica.

O envelhecimento da população é um dos maiores desafios com que se debatem muitos países, e Portugal, segundo os dados do Eurostat, é o segundo país da UE mais envelhecido. Como olhar para o futuro de uma sociedade envelhecida como a portuguesa?
O futuro de uma sociedade envelhecida como a portuguesa só poderá vir a melhorar, porque, neste momento, a esperança média de vida já atingiu os 83 anos; urge, agora, conquistar a chamada longevidade saudável, ou seja, garantir que as últimas décadas de vida sejam mais isentas de comorbidades - como se assiste, por exemplo, no Japão. Como tal, temos vindo a assistir a uma maior consciencialização sobre os hábitos de vida saudáveis, a começar desde a infância, que é determinante na prevenção de doenças do envelhecimento. A literacia em saúde e a influência socioeconómica serão críticos no futuro. E, em paralelo, surgirão tecnologias e terapias capazes de modelar a velocidade com que envelhecemos e o risco para determinadas doenças. Medições da idade biológica (metilação do DNA), nanodispositivos de auto-avaliação de funções fisiológicas, suplementos hormonais e senolíticos, etc., serão práticas futuras para uma longevidade saudável.

Com um currículo consolidado na investigação, o que perspetiva para o futuro? Tem algum sonho profissional que gostaria de ver concretizado?
Gostaria muito de ver membros da minha equipa (actuais ou alumni) a seguirem uma carreira científica; gostaria de sentir que fiz escola. Estou sempre a estimular novas linhas de investigação que integrem os conhecimentos do grupo com a experiência dos recém-chegados. Um sonho que gostaria de ver concretizado seria estabelecer o FOXM1 como gene chave de longevidade e como terapia de rejuvenescimento mais segura e eficaz que a reprogramação celular e os senolíticos.

Que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e de uma forma geral?
A área de investigação em Envelhecimento é ainda incipiente em Portugal, apesar de existirem muitos grupos de excelência focados em doenças associadas ao envelhecimento. Internacionalmente, só ao longo das últimas décadas é que a investigação sobre o envelhecimento emergiu como uma área vibrante de estudo científico rigoroso, a qual progrediu tão dramaticamente que se tornou possível prolongar a longevidade saudável. O recente MIA (Multidisciplinary Institute of Ageing), na Universidade de Coimbra, vem assinalar e impulsionar o panorama científico nacional na área do Envelhecimento. Considerando o financiamento extremamente limitado da investigação científica em Portugal, é de congratular o sucesso e reconhecimento internacional de muitos grupos de investigação. Mas a excelência e competitividade do sistema científico português vão depender da capacidade de atrair investigadores e investidores a nível internacional, do acesso a metodologias e equipamentos de ponta, e da transferência de inovação e tecnologia para as empresas/indústrias.

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passo(s) ou ação(ões) de valorização científica que mais lhe faz(em) sentido que o país adote, nos tempos que correm?
O primeiro passo seria, obviamente, aumentar o orçamento de Estado atribuído ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Não faz sentido que sejam gastos tantos recursos na FCT em painéis de avaliação de projectos e CEECs (concursos de estímulo ao emprego científico) para, no final, haver uma taxa de aprovação de 7-8%. Penso que qualquer Diretor de Grupo sente grande dificuldade em conseguir articular as candidaturas aos concursos FCT, ou seja, captar simultaneamente bolsas de doutoramento, CEECs e projetos. Ainda que as bolsas de doutoramento tenham uma taxa de aprovação elevada, recorrentemente os grupos de acolhimento vêm o seu financiamento comprometido para execução dos projetos de doutoramento. A meu ver, deveriam existir concursos para diferentes tipologias de projetos, com distintos montantes de orçamento, e destinados aos diferentes níveis de carreira dos Investigadores Responsáveis (IRs). Em semelhança ao que acontece noutros países da Europa e em alguns concursos europeus, os contratos de investigadores deveriam estar incluídos no montante de projetos (devidamente reforçado), de modo a que o IR conseguisse articular e sincronizar o financiamento de um projeto com os recursos humanos. Também diminuiria todo o esforço burocrático associado à gestão das várias candidaturas. Outro aspeto importante prende-se com a necessidade de existir pressão competitiva pelo tecido empresarial. O número de doutorados tem vindo a aumentar substancialmente, mas as saídas profissionais na ciência, educação e indústria são limitadas. No círculo periférico de cada unidade de investigação deveria ser criado um microambiente universidade-hospitais-empresas-indústrias, capaz de estabelecer domínios prioritários e desafios conducentes à valorização científica de todos os intervenientes. É urgente o reconhecimento da qualificação dos investigadores e da sua mais valia em inovação, em qualquer setor profissional.






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