Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Felipe França
Instituto de Telecomunicações - Porto (IT - Porto)

Atividade de investigação em inteligência artificial, redes neurais artificiais e inteligência computacional


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Sou Professor Titular (Catedrático) reformado, desde Junho de 2019, pela COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde comecei a minha carreira docente, em Fevereiro de 1996. Desde Junho de 2022, sou Investigador no Instituto de Telecomunicações e no Departamento de Eletrotécnica e de Computadores, da Faculdade de Engenharia da U.Porto. Neste ano de atividades, tive o prazer de rever amig@s e colegas dos tempos de doutoramento no Imperial College London, no começo dos anos 90, quando tive a feliz oportunidade de conhecer Portugal e, especialmente, o Porto.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Três marcos:
1. Como Assistente de Investigação da COPPE, UFRJ (1988), fiz parte da equipa de projeto do NCP 1, o primeiro supercomputador brasileiro. Propus a ideia de um “processador virtual de comunicações” com Valmir Barbosa, e publicamos um artigo em 1988 (Barbosa, Valmir C; França, Felipe M.G. "Specification of a communication virtual processor for parallel processing systems". Microprocessing and Microprogramming. 24 1-5 (1988): 511-518. https://doi.org/10.1016/0165-6074(88)90103-2. Esse conceito, uma primitiva de comunicação muito importante para explorar o desempenho e a flexibilidade das interconexões de computadores modernos, foi redescoberto com o nome de active messages (mensagens ativas) em 1992, e tornou-se um dos trabalhos mais citados em arquitetura de computadores e processamento de alto desempenho: https://www.sigarch.org/what-are-the-most-cited-isca-papers/.
2. Como Professor Assistente (Auxiliar) (1996-2006), propus uma nova abordagem em projetos digitais assíncronos, de modo a que qualquer circuito existente, projetado sob a perspetiva de temporização síncrona, seja candidato à conversão para operação assíncrona a um custo muito baixo, em termos de projeto de circuito e, geralmente, com a recompensa de ganhos de desempenho. Este trabalho, pioneiro, marca o início dos circuitos GALS – “Globally Asynchronous Locally Synchronous”, resultando na primeira patente concedida a uma universidade brasileira na área de Ciência da Computação.
3. Até esta data, ter orientado com sucesso 32 alunos de doutoramento e 66 alunos de mestrado, todos em cargos industriais, governamentais e académicos, na Alemanha, Brasil, Canadá, China, EUA, Japão, Portugal e Reino Unido - para mim, é o maior marco.

Pode falar-nos dos temas de investigação a que se tem dedicado, e do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação 'Sistemas em rede', no Instituto de Telecomunicações?
WNNs – Weightless Neural Networks, ou redes neurais sem peso, são redes neurais compostas por neurónios do tipo RAM – Random Access Memory, um modelo neural artificial do final dos anos 50, um pouco mais moderno do que os neurónios baseados em sinapses de McCulloch e Pitts (1943), amplamente usados até hoje, inclusive nas conhecidas redes neurais profundas, usadas pelo ChatGPT. A característica mais proeminente de plausibilidade biológica associada aos neurónios RAM reside em considerar a decodificação da sinalização excitatória/inibitória, observada nas árvores dendríticas, como análoga ao processo de endereçamento de conteúdos de uma RAM. Trabalho com as WNNs desde os anos 90, mesmo depois dessa área de investigação se tornar árida. Durante este último ano no Instituto de Telecomunicações que, na U.Porto, conta com Ana Aguiar na coordenação, conseguimos excelentes resultados demonstrando uma superioridade em acurácia, agilidade e eficiência energética de implantações de WNNs em circuitos eletrónicos (ASICs e FPGAs), mesmo quando comparadas com BNNs – Binary Neural Networks, que são redes neurais baseadas em neurónios “com peso”, simplificadas ao ponto de se ter pesos sinápticos binários. Estamos a conseguir construir pequenos circuitos inteligentes que são suficientemente precisos e ágeis para fazer o papel de classificadores e preditores online, dentro de microarquiteturas (de processadores) e protocolos de redes.

No seu currículo, conta com a participação em vários projetos. O que é mais e menos valorizado, pela sua experiência, nos projetos da sua área científica?
Vou tentar resumir em três dimensões: formação de recursos humanos, geração de propriedade intelectual, e impacto ambiental/social. Independente da minha visão particular, penso que nas áreas de ciência de computadores e nas engenharias é dado maior valor aos resultados científicos, quer gerem propriedade intelectual ou não. À formação de licenciados, mestres e doutores, também é dada certa importância. Impactos ambientais e sociais estão sendo gradativamente valorizados.  

Há alguns anos, quase ninguém falava sobre Inteligência Artificial (IA), exceto certos «fanáticos» de informática. Atualmente, novas tecnologias de linguagem cada vez mais humanizadas e democratizadas, como o ChatGPT, já revolucionam a forma como nos relacionamos com a internet. Serão os receios sobre o futuro da inteligência artificial um excesso?
Penso que o desconhecimento gera o tipo de medo mais disseminado no assunto IA. É preciso informar mais e melhor a população sobre o funcionamento dos diversos mecanismos a que está exposta diariamente. Existem trabalhos científicos recentes com a intenção explícita de reduzir a distância entre o abstrato-concreto em IA, e.g., Lacerda Queiroz, R., Ferrentini Sampaio, F., Lima, C., Lima, P.. AI from Concrete to Abstract. AI & Soc 36, 877–893 (2021). https://doi.org/10.1007/s00146-021-01151-x.

Sam Altman, co-fundador da empresa que criou o ChatGPT, transmitiu publicamente preocupação em relação aos efeitos inesperados da IA, nomeadamente a nível do mercado de trabalho. É possível medir benefícios e prejuízos e encontrar (e regular) um ponto de equilíbrio?
Essa preocupação não é infundada, mas acaba por realimentar o medo gerado pelo desconhecimento, como citado anteriormente. Por se terem mostrado ferramentas de IA impressionantes, os LLMs – Large Language Models, como o ChatGPT, deixaram expostas diversas vulnerabilidades em situações quotidianas da sociedade, que não eram devidamente tratadas. Como um exemplo, bem perto do dia-a-dia da comunidade académica, posso citar a questão da revisão de textos científicos: agora é fácil ver várias editoras com avisos públicos sobre as suas políticas particulares em relação ao uso de ferramentas de IA, e algumas dessas editoras exigem saber se, e em que partes do artigo, estas ferramentas foram usadas. No entanto, o papel do revisor profissional (humano), contratado para fazer recomendações de revisão a um artigo para a sua publicação numa revista científica, é aceite naturalmente, não se discutindo se o revisor profissional, que não participou na construção da contribuição em torno da qual o artigo é escrito, deve ou não ser coautor do artigo alvo!

Que papel considera que a IA possa vir a desempenhar no combate à desinformação?
As mesmas ferramentas de IA que são usadas ativamente na desinformação possuem o potencial de combatê-la. Maiores esforços deveriam ser feitos nesse sentido, principalmente por parte das plataformas de comunicação, por onde um grande volume de desinformação é disseminado.

Ninguém duvida que a IA afetará, a curto, médio e longo prazo, a forma como vivemos ou trabalhamos. Com ou sem receios, a IA é uma realidade imparável. O que tem a dizer sobre este assunto?
A IA já é uma realidade e que não se vê razão para descontinuar o seu desenvolvimento. Novamente, como exemplo, as LLMs são ferramentas excelentes, se usadas com a devida ciência dos seus poderes e das suas limitações.

Que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação?
Portugal possui uma longa história em IA, e penso que está numa posição privilegiada no cenário internacional. Alguns dos meus colegas e amigos dos tempos de doutoramento, hoje, são nomes reconhecidos em IA, tais como Alípio Jorge (DCC-FCUP, U.Porto), Fernando Silva (DCC-FCUP, U.Porto), Inês Dutra (DCC-FCUP, U.Porto), João Gama (FEP-U.Porto e LIAAD, INESC TEC, U.Porto), e Vitor Santos Costa (DCC-FCUP, U.Porto), continuando a construir essa história. É muito bom ter a oportunidade de contribuir positivamente.

Com o pós-pandemia de COVID-19, a guerra Russo-Ucraniana e a espiral inflacionária que se tem registado, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
Embora não me sinta com a necessária competência para responder a esta pergunta, penso que o maior desafio da investigação científica nos próximos anos estará na dimensão política. É nessa dimensão que se definem as oportunidades de financiamento, as principais áreas de interesse, o apoio à criação e manutenção de empresas com base tecnológica, etc.
 





Poderá consultar mais informações sobre o investigador aqui.

 Copyright 2023 © Serviço de Investigação e Projetos da Universidade do Porto.
Todos os direitos reservados.