Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Heitor Alvelos
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) / Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+)

Extensa actividade em prática científica e projetual em Design e Novos Media


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e de quando e como surgiu o seu interesse pelo design e novos media.
Sou Professor Associado com Agregação na FBAUP, sendo aí docente desde 1989 (na então Escola Superior de Belas Artes do Porto, prestes a integrar a Universidade do Porto): logo após concluir a Licenciatura, fui contratado como Assistente Eventual para lecionar Design de Comunicação. Ao longo dos anos, tenho sido responsável pela criação e reformulação de diversos cursos de 1º, 2º e 3º Ciclos, tendo integrado a equipa de criação do primeiro curso multi-faculdades da U.Porto - o Mestrado em Multimédia, em 1997. Tenho igualmente criado e consolidado redes de colaboração entre um conjunto de Universidades nacionais e estrangeiras, no âmbito de atividade docente, no âmbito de projetos de colaboração e no âmbito de programas de mobilidade. O meu interesse pelo design vem de sempre, é vocacional; o interesse pelos novos media surge a partir do momento em que o próprio design desenvolve gradualmente um repertório de ferramentas e linguagens neste território. E é a partir desta deslocação da atividade projetual para o território dos novos media que o meu interesse pelas áreas da filosofia do design, da semiótica dos media e da pedagogia da perceção se tornam nos meus principais focos de investigação.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
A realização do “futureplaces, medialab para a cidadania”, em parceria com a Universidade do Texas em Austin, de 2008 a 2017; foi uma excelente oportunidade de colocar os media digitais ao serviço de contextos tangíveis, usando a cidade do Porto como espaço de aplicação e exploração, realizando ações de capacitação de segmentos da população através do que chamámos “Laboratórios de Cidadania”, e realizando o que intitulámos de “encontros improváveis” de teor criativo, entre segmentos demográficos que raramente se cruzam. Foi particularmente gratificante seguir os modos como a própria palavra “futuro” se foi transformando durante a década de vigência do medialab, de uma marca de utopia, a um espaço de incerteza e interrogação. Identifico igualmente a minha obtenção do grau de Doutor, no Royal College of Art de Londres, em 2003. Tratava-se de uma época em que a oferta doutoral na área do design área era nula a nível nacional e, mesmo a nível internacional, era muito escassa - pelo que a obtenção do grau de Doutor me permitiu regressar à FBAUP com as qualificações necessárias para dar início à formação de uma geração doutorada em design, bem como a uma cultura de investigação na área; então residual e por sistematizar. Destaco ainda a minha presença no Conselho Científico para as Ciências Sociais e as Humanidades (CSH) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), ao qual presidi desde 2016 até recentemente. Foi um trabalho de grande complexidade, no âmbito do qual tive oportunidade de compreender a fundo um conjunto de dossiers estratégicos ligados às disciplinas integrantes das CSH, bem como de emitir recomendações à Direção da FCT e à comunidade científica a partir dum conjunto extenso de consultas aos centros de investigação.

Sendo diretor do Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+), pode falar-nos do trabalho que aí se tem desenvolvido, e sobre os desafios atuais que o instituto enfrenta?
Sou diretor do ID+ no seu Pólo U.Porto: o ID+ é essencialmente uma rede de pólos de investigação em design, com especial incidência em 3 instituições na região Norte de Portugal, e reconhecendo a necessidade de agregar massa crítica a esta escala. Isto não é dizer que a nossa missão se esgota neste território, pelo contrário: o ID+ acolhe investigadores de muitas outras instituições de ensino e, até, investigadores de áreas complementares e compatíveis com o design. O grande desafio que tenho traçado para a investigação em design em anos recentes é o de funcionar como interface de comunicação entre disciplinas, e agente de comunicabilidade científica perante a sociedade. Creio que a pertinência desta missão se tem vindo a acentuar, nomeadamente quando é cada vez mais evidente a necessidade de mediação, por parte das CSH, relativamente a uma aceleração tecnológica por vezes desregulada, e quando fenómenos como a desinformação têm vindo a colocar em perigo a própria disponibilidade dos cidadãos para acolherem conhecimento científico fiável e comprovado.

Que parcerias e/ou acordos tem o ID+ atualmente com outras entidades, em termos de investigação, e qual o grau de importância dos mesmos?
As parcerias são inúmeras, no âmbito de projetos em curso e em contexto de investigação doutoral, pelo que saliento duas parcerias de alcance acrescido: i) A parceria com o Parque de Ciência e Tecnologia, como uma parceria-chave que nos tem permitido, ao longo da última década, o desenvolvimento de uma verdadeira cultura científica imersiva, congregando investigadores, doutorandos e empreendedores. ii) Saliento também a parceria emergente com o International Academic Forum, entidade científica e editorial sediada no Japão, com a qual pretendemos criar as bases de uma rede internacional de estudo de fenómenos locais de design.

O ID+ é considerado uma referência nacional nos domínios do design, arte, media e cultura. Quais as principais dificuldades em mantê-lo na linha da frente da investigação?
Não tenho encontrado dificuldades dignas de referência, além das que a comunidade científica conhece na generalidade; pelo contrário, este lançamento de bases fundacionais de uma disciplina a nível nacional tem sido um trabalho profundamente gratificante. É trabalhoso, sem dúvida, nomeadamente porque ao longo das últimas duas décadas lançámos, literalmente, a investigação em design a partir da sua completa ausência, num território onde, simplesmente, não existia. Mas todo este trabalho é gratificante quando observamos o reconhecimento das nossas competências científicas e o grau de inovação pelos nossos pares a nível internacional.

No seu currículo, conta com diversas participações em projetos e, em muitos deles, como investigador principal. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
A questão patrimonial está a ganhar muita força na área do design: existe uma consciência crescente de que o design já se fazia, mesmo antes de esta designação contemplar a prática correspondente. Como consequência, a investigação em design tem vindo a recuperar e a reapreciar criticamente muitos espólios originalmente desprovidos de um olhar cultural, ou mesmo estético. Por outro lado, existe uma consciência crescente de que a disciplina tem sido historicamente dominada por uma narrativa redutora, dominada por cânones ocidentais masculinos - e que a viabilidade da disciplina passa cada vez mais pela inscrição, a uma escala global, de uma multiplicidade de narrativas, contextos e protagonistas bem mais diversos, a escalas locais, com uma consequente reversão para contextos de ensino do design. Sobre o que necessita de ser valorizado, diria que há uma crescente necessidade de identificar fatores tangíveis de impacto da investigação que não sejam estritamente métricos, nomeadamente, na avaliação de projetos após a sua conclusão; este é, aliás, um assunto recorrente nas CSH, e foi o tema de um dos dossiers apresentados à presidência da FCT sob minha coordenação. Acrescento que considero uma prioridade o financiamento de projetos oriundos das CSH (e aqui incluo o design) que complementem o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, muitos deles ligados a indústrias de entretenimento, com dimensões críticas que salvaguardem a sua implementação e uso de modos úteis, saudáveis e consequentes.

Na era digital, o imediatismo da publicação nas redes sociais está a levar as pessoas a pensarem menos sobre as consequências das suas ações. Pode o design organizar este caos de informação que circula nas redes sociais?
Não tenho resposta absoluta, porque o universo referido é de extrema complexidade - e, num conjunto de aspetos, é inédito. Posso, de qualquer forma, confirmar que se trata de um território de comunicação e publicação que nos tem vindo a interessar, não só em termos interpretativos, mas também em termos propositivos - particularmente no grupo ID+ “Laboratório para os Media Inesperados”. Sobre o aspeto caótico do universo online, ele não é necessariamente mau: necessitamos é da tal “pedagogia da perceção”, ou seja, de ferramentas que nos permitam navegar por entre os oceanos de informação, filtrando o que faz sentido para cada um de nós.

Na sua opinião, de que forma o design contribui para os media digitais e como podem estes beneficiar do design?
A relação entre o design e os media digitais hoje é umbilical, pelo que dificilmente se pode identificar ou equacionar uma dinâmica que os separe; quer numa perspetiva funcional, a nível de uso de ferramentas, quer a nível epistemológico, a nível de pensamento, o design e os media digitais têm vindo a traçar um caminho, em muitos aspetos, comum. Agora, não deixa de ser interessante reconhecer que a proverbial afirmação, de há um par de décadas, segundo a qual o futuro seria totalmente digital (e desenvolvimentos a nível de inteligência artificial à parte), tem encontrado um contraponto num interesse renovado e paralelo, por parte de estudantes e investigadores em design, pela manualidade, pelo objeto matérico, por técnicas e ferramentas ancestrais.

Tendo em conta a atual crise decorrente da pandemia COVID-19, quais considera serem as oportunidades que a área do design, e em particular, os media digitais, têm para aproveitar? Onde estão estas oportunidades, na sua opinião?
Temos mais do que uma oportunidade: temos algo de urgente a cumprir, na supracitada missão de traduzir conhecimento científico de forma fiável e inteligível junto de sectores amplos da população - nomeadamente a nível de conteúdos, comportamentos e ferramentas.

De que forma perspetiva a carreira científica em Portugal?
Creio que os desafios são enormes e, em grande parte, de escala internacional, derivados de uma geopolítica e de uma macroeconomia crescentemente complexas. Quero, sim, fazer votos de que o extraordinário crescimento a que assistimos nas últimas décadas, no que diz respeito à produção e capacitação científica em Portugal, possa continuar, nomeadamente em áreas que, não produzindo mais-valias financeiras imediatas, são vitais para a nossa condição humana. Agora, não deixa de ser verdade que essas mesmas áreas são as primeiras responsáveis pela legibilidade dos seus contributos - junto de entidades financiadoras, junto de outras áreas disciplinares, e junto da população em geral.



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