Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Sílvia Fraga
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) / Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)

Atividade de investigação em Saúde Pública

Como surgiu o interesse pela Saúde Pública e como trilhou o seu caminho científico na U.Porto?
Ainda durante a minha licenciatura tive oportunidade de contactar com a Epidemiologia, um campo da ciência que eu achava ser distante daquele que eu trilhava até então nas ciências sociais. Porém, a possibilidade de prosseguir um caminho pela Epidemiologia e Saúde Pública, fazendo uso do conhecimento das ciências sociais, tornou-se bastante aliciante e um desafio. Decidi então integrar o Mestrado em Saúde Pública da FMUP/ICBAS e, mais tarde, candidatei-me ao Programa Doutoral em Saúde Pública na FMUP. Após a conclusão do doutoramento, obtive uma bolsa de pós-doutoramento, também financiada pela FCT, que me permitiu desenvolver o meu primeiro projeto de investigação científica como investigadora responsável no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), e participar na criação da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit), integrando o grupo de Epidemiologia Social. Em 2019 iniciei um contrato de Investigador Júnior no programa CEEC-IND da FCT, e desde 2022 sou Investigadora Auxiliar no ISPUP. Coordeno atualmente a Linha Temática Sindemias, Desigualdades em Saúde e Populações Vulneráveis do Laboratório Associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), que agrega grupos de investigação de três unidades de I&D (EPIUnit, CIAFEL e UMIB).

Conseguiria destacar 2 ou 3 marcos mais relevantes da sua carreira, que a terão impactado de forma particular?
De forma particular acho que posso destacar o momento, logo após ter conseguido uma bolsa de pós-doutoramento, em que obtive financiamento para um projeto de investigação na qualidade de investigadora responsável. De facto, este projeto permitiu-me estabelecer uma linha de investigação independente, atrair estudantes de mestrado e doutoramento, e iniciar a criação de um grupo de investigação cujo foco e objeto de estudo são as desigualdades sociais em saúde. Destaco também a oportunidade que surgiu de integrar um consórcio internacional que reuniu uma elite de epidemiologistas sociais que, até esse momento, eram os autores que eu tinha como referência. Aproveitei essa oportunidade para estabelecer algumas ligações e colaborações que mantenho até hoje na minha investigação. Outro momento que posso destacar, e que acaba por pesar no meu percurso na investigação, foi o momento em que consegui um contrato no âmbito da 1ª edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual, promovido pela FCT. Depois de vários anos como bolseira, ter um contrato de trabalho na investigação foi fundamental para a minha decisão em continuar o meu percurso profissional nesta área.

No âmbito da investigação que tem vindo a desenvolver, é notório um pendor para temáticas correlacionadas com crianças e adolescentes. De que forma lhe é particularmente querida a tentativa de mitigar as desigualdades nestas faixas etárias?
Os determinantes sociais e as desigualdades sociais em saúde são temáticas às quais tenho dedicado todo o meu percurso científico. A minha formação de base em Serviço Social permitiu uma melhor consciência e compreensão sobre as condições sociais da população e uma melhor perceção da injustiça das desigualdades sociais. Há evidência que mostra que as condições sociais, ou seja, a forma como as pessoas nascem, vivem, crescem e envelhecem, têm uma reconhecida influência na saúde e bem-estar das populações. Um dos trabalhos em que participei demonstrou que a condição socioeconómica menos favorecida contribui para a redução, em média, de 2 anos da vida de um indivíduo, independentemente do efeito de outros fatores de risco, como a obesidade, o consumo de álcool ou o consumo de tabaco. Estes resultados demonstram a relevância dos determinantes socias da saúde que, tal como os comportamentos individuais, são fatores potencialmente modificáveis e por isso alvo de intervenção. Portanto, embora o meu interesse se centre na compreensão destes fenómenos em todo o percurso da vida, o meu foco nas faixas etárias mais jovens baseia-se essencialmente no princípio de que todas as crianças devem ter o melhor início de vida possível para garantir um percurso de vida mais saudável e longo. Da mesma forma, a adversidade e privação socioeconómica nas idades mais precoces condicionam o desenvolvimento e crescimento, minando o potencial máximo que poderia ser alcançado por um indivíduo. Acredito que a produção de evidência científica que demonstre o impacto das iniquidades, sobretudo na infância, poderá contribuir para uma melhor conscientização da sociedade civil, das organizações e dos decisores políticos para estes problemas, e para que haja um esforço organizado e coordenado para uma sociedade mais justa.

A mitigação das desigualdades passará também, certamente, por introduzir mudanças a montante, na medida em que é fundamental dotar as populações mais vulneráveis de ferramentas para lidar com a problemática. Se, na sua opinião, esta for uma perspetiva possível, de que forma poderíamos concretizar?
Segundo a carta dos direitos humanos "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos" e, desta forma, a sociedade deve focar-se em garantir que todas as crianças tenham o melhor início de vida possível e permitir que se mantenham numa trajetória de saúde ao longo da infância e adolescência, com a prevenção da aquisição de comportamentos de risco, e promoção de comportamentos saudáveis como a alimentação equilibrada e prática de exercício físico. Para além disso, devemos investir na promoção de experiências e relações positivas na infância, garantindo que todas as crianças crescem em contextos positivos, saudáveis e resilientes. Só assim poderemos ambicionar uma sociedade com adultos saudáveis, produtivos e felizes, e promover um envelhecimento saudável, ativo e com qualidade de vida.

Lidera o Laboratório Adversidade Social e Desigualdades em Saúde do ISPUP. Que projetos destacaria como potenciais grandes catalisadores de mudanças significativas?
Neste momento temos alguns projetos em curso, com diferentes objetivos específicos, mas sempre com o foco nas desigualdades sociais em saúde. Estamos a desenvolver um estudo sobre a solidão no processo de envelhecimento, outro em que estudamos o impacto dos determinantes estruturais na saúde cardiovascular das crianças, e o projeto UNFOLD do qual sou investigadora responsável e ao qual me tenho dedicado nos últimos meses. Este projeto pretende investigar as experiências de adversidade durante a infância, em particular experiências de violência, e o seu impacto na saúde e qualidade de vida de jovens que estão agora a entrar na idade adulta, usando dados de uma coorte de nascimentos – a Geração XXI. Neste projeto iremos explorar como estas experiências sociais alteram a nossa biologia, contribuindo para o desenvolvimento de condições desfavoráveis de saúde ao longo da vida. Simultaneamente, pretendemos identificar que fatores de resiliência durante o desenvolvimento e crescimento das crianças são importantes para mitigar os efeitos adversos destas experiências.

De acordo com o que apura a investigação o que poderemos fazer, no mais imediato futuro, enquanto sociedade para mitigar as desigualdades na Saúde?
A investigação desenvolvida tem demonstrado que as condições em que nascemos e crescemos condicionam a nossa saúde ao longo da vida. Uma sociedade justa, equitativa e saudável deve garantir que todos os indivíduos tenham um melhor início de vida possível para garantir que alcançam o seu potencial máximo. Assim, é desejável uma maior atenção, foco e investimento direcionado aos grupos mais jovens da população, prevenindo a exposição à adversidade e promovendo características individuais e contextuais de resiliência.


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