Investigadora Principal no projeto WINPUT
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e de como surgiu o seu interesse pela área da Viticultura e Enologia.
O meu percurso científico na U.Porto começa com a realização do meu estágio de final de Licenciatura em Bioquímica em 2002 na área dos pigmentos do vinho do Porto sob orientação do Prof. Nuno Mateus e do Prof. Victor de Freitas no Departamento de Química e Bioquímica da FCUP. Fiquei fascinada pela temática e decidi continuar na investigação, realizando o meu Mestrado e Doutoramento em Química no mesmo grupo, no estudo das vias químicas de transformação das antocianinas no vinho que levam à sua alteração da cor durante o envelhecimento. Nesse âmbito, participei ainda em diversos estágios de vindima, de modo a poder estudar algumas metodologias na produção de vinho do Porto e qual o impacto que tem na sua cor durante o envelhecimento. Em 2013, decidi fazer a pós-graduação em Viticultura e Enologia da FCUP/ISA para aprofundar os meus conhecimentos nessa temática, que poderiam ajudar na investigação que faço.
Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Um marco importante na minha carreira profissional foi quando consegui o meu primeiro projeto enquanto IR, em 2015. Esse projeto, que estava relacionado com os subprodutos da vinha e do vinho, financiou parte da minha investigação, mas foi também o começo da criação de uma equipa de pessoas para trabalhar comigo nesta área. Um outro marco importante foi no ano seguinte (2016), quando consegui o meu primeiro contrato de trabalho enquanto investigadora. Até àquele momento, a investigação era financiada quase exclusivamente por bolsas de investigação, desde o nível de iniciação até às bolsas de pós-doutoramento.
Fale-nos um pouco do projeto intitulado “WINPUT - Síntese de piranoflavílios azuis inspirada na química do vinho para a Terapia Fotodinâmica tópica”. Qual é a sua missão, e quais os seus objetivos?
Este projeto é a conexão perfeita entre duas colegas do LAQV-REQUIMTE (Joana Oliveira e Iva Fernandes) com conhecimentos complementares na área da química e da bioatividade dos compostos fenólicos. Eu estudei, durante vários anos, a química do vinho e a síntese de moléculas inspiradas na química do vinho com diferentes cores, desde o laranja, vermelho, violeta, até ao azul turquesa. Estas moléculas sempre foram pensadas para uma aplicação alimentar enquanto corantes, mas este projeto permitiu explorar uma nova área de aplicação - a Terapia Fotodinâmica tópica. A Iva Fernandes tem como área de investigação o estudo do impacto do consumo de polifenóis - presentes no vinho, nos frutos vermelhos e nos vegetais -, na manutenção da saúde humana. Mais recentemente, tem explorado a potencial da aplicação tópica destas moléculas para a prevenção do envelhecimento e tratamento de patologias da pele. O principal objetivo deste projeto é sintetizar moléculas inspiradas na química do vinho que possam ser fotoativadas e aplicadas para o tratamento de doenças da pele (acne, psoríase, dermatite atópica, etc).
As doenças de pele afetam 2,5 biliões de pessoas em todo o mundo. Sendo Portugal um país com incidência crescente e uma população envelhecida, na sua opinião, que soluções podem ser adotadas no sentido de reduzir a mortalidade e os custos que estas doenças acarretam no setor público?
Embora nem todas as doenças de pele sejam letais, a reduzida eficácia dos tratamentos, com corticoides e antibióticos, resulta em perdas de efetividade e aumento de despesa pública. A fototerapia é uma técnica alternativa e não invasiva, no entanto, devido à falta de fármacos aprovados e à escassez de equipamentos especializados, esta técnica é pouco recomendada. A capacidade de produzir em laboratório moléculas identificadas no vinho do Porto permitirá o desenvolvimento de novos fármacos para esta terapia que, aliados a fontes de luz naturais como a luz solar, irão ampliar as vantagens desta terapia para um tratamento acessível a todos e que possa ser realizado em casa.
O setor vitivinícola não é comumente associado a atividades de I&D e de transferência de conhecimento acumulado pela investigação e experimentação realizadas. Como caracteriza a evolução da investigação neste setor nas últimas décadas, e como a perspetiva nos próximos anos?
De facto as atividades de I&D não são normalmente associadas ao setor vitivinícola, no entanto, na última década, há uma preocupação crescente neste setor, em parte devido às alterações climáticas e o impacto que essas alterações poderão ter primeiramente na viticultura, mas também, como consequência final, no vinho. Também a falta de mão de obra leva a que surjam projetos na área da robótica, na monitorização da vinha, na aplicação de produtos fitossanitários para controlo de pragas e, até, na mecanização da vindima.
Quais os resultados esperados no projeto WINPUT, e o que acrescenta à ciência, nomeadamente, no desenvolvimento de novos fármacos? Este projeto pretende aprofundar outras iniciativas ou lançar novos projetos na mesma área?
A Terapia Fotodinâmica, apesar de já ser uma terapia usada e estudada há vários anos, ainda apresenta poucos fármacos aprovados e disponíveis no mercado. Com este projeto pretendemos desenvolver novos fármacos para doenças de pele que tornem esta terapia não-invasiva uma técnica amplamente utilizada. Neste projeto, foi obtida uma biblioteca de compostos e, com base na sua capacidade de inibir o crescimento de modelos celulares da pele e de diferentes estirpes bacterianas, estamos agora capazes de identificar as moléculas mais promissoras - o que pode servir de inspiração ao desenvolvimento de novos fármacos, inclusive para outras patologias. O nosso objetivo é avançar para modelos pré-clínicos e clínicos e, por isso, temos submetido várias propostas a empresas da área terapêutica que possam financiar a continuação do projeto. A possibilidade da nossa solução poder vir a ser utilizada a nível mundial, quer em tratamento hospitalar, quer em casa e, neste caso, disponível nas farmácias, é algo que queremos avaliar.
Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no LAQV- REQUIMTE, no seu grupo de trabalho, nesta temática e em temáticas aproximadas, e de que forma tal se complementa?
No nosso grupo de investigação temos duas áreas temáticas complementares de aplicação na terapêutica das patologias da pele - uma relacionada com o estudo da química do vinho, que permitiu o desenvolvimento bio inspirado de novas técnicas de síntese de moléculas ao nível laboratorial, contribuindo para a obtenção de moléculas estruturalmente relacionadas e posterior obtenção em grande escala, purificação, e comercialização; e outra relacionada com o contínuo desenvolvimento de modelos celulares de pele cada vez mais próximos do tecido humano, capazes de mimetizar a condição de pele saudável e diferentes condições de doença (psoríase, dermatite atópica, lesões pré-cancerígenas, …) associadas a infeções secundárias, provocadas por agentes bacterianos. Estes modelos têm permitido o screening das bibliotecas de moléculas sintetizadas. A sinergia estre estas duas áreas do conhecimento foi fulcral para o sucesso deste projeto.
Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
A pandemia COVID-19 gerou uma clara incerteza em todos os aspetos da economia e da sociedade. Desta forma, os impactos a longo prazo da pandemia na ciência, tecnologia e inovação são impossíveis de prever. Os fatores que moldam o futuro da ciência incluem a desigualdade em investigação e desenvolvimento (I&D) em todos os setores, a adoção acelerada de ferramentas e técnicas digitais, e mudanças na abertura, inclusão e agilidade dos ecossistemas de investigação e inovação. A ciência, tecnologia e inovação poderão sofrer mudanças fundamentais, à medida que resiliência, sustentabilidade ambiental e inclusão se tornam objetivos mais proeminentes nas agendas políticas. Esses desenvolvimentos, por sua vez, irão afetar de forma crítica a velocidade e a direção da inovação, bem como o seu impacto no bem-estar e na dinâmica dos mercados.
No contexto da sua investigação, conta com diversas participações em projetos e, em muitos deles, como investigadora principal. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
Na minha área científica, acho que o envolvimento do vinho em aplicações diferentes teve um impacto positivo no financiamento dos projetos. O vinho é um produto com elevado impacto no nosso país, e explorar a aplicação do vinho, dos seus subprodutos, ou até mesmo só da sua vasta e complexa química, tem sido valorizado.
Que apreciação faz do panorama científico português na sua área, e de uma forma geral?
Acho que a investigação em Portugal poderá passar por uma pequena crise nos próximos tempos. Não existe uma carreira de investigador. A forma como a tentam criar não é a mais adequada. Há um excesso de bolsas de doutoramento, todos os anos, que depois não são absorvidas pelo sistema de investigação, nem sequer pelas empresas. Os investigadores seniores têm contratos precários e existe uma pressão constante para concorrer a tudo, inclusive para financiar o seu próprio emprego, mas sem uma estratégia definida. A pressão que muitos investigadores vivem faz com que desistam da investigação, e com que todo o conhecimento seja perdido. A nível mundial, e face à situação pandémica, a nossa área científica não é uma prioridade, sendo um exemplo de um sector que irá sofrer um claro impacto negativo.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.