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Entrevista_LauraGuimaraes

Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Laura Guimarães
Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) / Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)

Coordenadora de nova Cátedra UNESCO U.Porto «Ocean Expert - Science Education of Children for Ocean Stewardship: in Support of the Sustainable Ocean Economy»


Retrospetivamente, fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o que a levou a escolher a área das Ciências Biológicas e Biomédicas como área de estudo e profissão.
Sou Licenciada em Biologia (FCUP) e Doutorada em Ciências Biomédicas (ICBAS), pela Universidade do Porto. Esta escolha surgiu da minha paixão e curiosidade pela Biologia e a investigação, pelo funcionamento dos seres vivos e ecossistemas, e sobretudo pela saúde humana, animal e ambiental, na sua vertente multidisciplinar e interdependente - o conceito de One Health, que tem vindo a ganhar cada vez mais atenção e preponderância nos últimos anos.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
É sempre difícil, a escolha; há numerosos momentos que deixam marca inesquecível, incluindo os resultados experimentais obtidos, ou a publicação de certos artigos. De todos eles, talvez: a conclusão do meu doutoramento, que resultou de um trabalho muitíssimo interessante, realizado em colaboração com colegas do CNRS de Gif-sur-Yvette (França); o primeiro projeto, como coordenadora, aprovado para financiamento; os primeiros estudantes a concluírem as suas teses de doutoramento sob minha orientação; e claro, mais recentemente, o Prémio de Investigação no âmbito das Comemorações do V Centenário da Viagem de Circum-Navegação de Fernão Magalhães (pelo projeto BEESNESS), e a atribuição da Cátedra UNESCO Ocean Expert à U.Porto.

O que simboliza para si ser a coordenadora da nova Cátedra UNESCO U.Porto «Ocean Expert - Science Education of Children for Ocean Stewardship: in Support of the Sustainable Ocean Economy»? Pode dar-nos algumas informações sobre a missão e os objetivos desta Cátedra?
É uma honra e uma motivação para trabalhar desafios prementes relacionados com a educação e sustentabilidade do oceano, com parcerias internacionais de grande valor, e contribuindo para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como sejam aqueles os ligados à educação (4 - Educação de Qualidade), ao Oceano (14 - Proteger a Vida Marinha) e à agua (6 - Água Potável e Saneamento), e sua interligação.  A oferta da U.Porto em formação profissional e de investigação, integrada e multidisciplinar para o oceano, tem ainda espaço para ser desenvolvida e dar resposta à procura cada vez maior por esta área, quer por jovens estudantes, quer no que toca à formação ao longo da vida. Uma procura muito provavelmente estimulada pela década que estamos a viver, a «Década do Oceano - A ciência de que precisamos para o oceano que queremos» (decretada pelas Nações Unidas). Este projeto irá promover o desenvolvimento de um sistema integrado de investigação, formação, informação e documentação sobre educação em ciências do oceano, literacia dos Oceanos e economia sustentável dos recursos marinhos. O projeto pretende beneficiar a colaboração entre os investigadores e docentes de universidades portuguesas e as instituições da Europa, África, Ásia e Pacífico, e visa o desenvolvimento de uma rede de cooperação com países do Hemisfério Sul, para colmatar falhas críticas na ciência do oceano e na governação do oceano.

Como coordenadora do grupo de investigação em Toxicologia Ambiental Marinha e Costeira (METOX) do CIIMAR, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver, e sobre quais considera serem os maiores desafios para 2022?
O grupo tem-se focado em desenvolver novas abordagens e métodos expeditos para diagnosticar a qualidade de ecossistemas, sobretudo aquáticos. Nomeadamente, investigar os modos de ação de contaminantes prioritários e de preocupação emergente (e.g. fármacos de diferentes classes e os seus produtos de degradação), e identificar biomarcadores de alerta precoce de exposição a este tipo de contaminação, na monitorização integrada baseada em efeitos biológicos, e nos métodos de avaliação de remoção de toxicidade por tecnologias avançadas de tratamento de águas residuais desenvolvidas por outros colegas, no contexto de colaborações nacionais e internacionais. E, claro, na investigação sobre o conhecimento e a educação para o oceano e a sua sustentabilidade. Sem dúvida, um dos grandes desafios está relacionado com a avaliação do restauro e recuperação do oceano, de águas interiores, e dos seus ecossistemas. O Pacto Ecológico Europeu lançou a Missão «Restaurar o nosso Oceano e as nossas Águas até 2030», com vista ao restauro dos ecossistemas e biodiversidade, à eliminação da poluição, e a uma economia azul neutra em carbono e circular. Para esta recuperação e restauro é importante o desenvolvimento de métodos eficientes de avaliação do estado de degradação - da água e do ecossistema, da sua taxa de recuperação -, comparar diferentes estratégias de restauro… É nesta linha que estamos atualmente a trabalhar.

A escassez e perda de qualidade da água é um dos mais graves problemas que afetam os ecossistemas terrestres e aquáticos. Uma das soluções tem sido o aproveitamento de água de menor qualidade e a reutilização de água residual. Que problemas podem estar associados a estas soluções? Qual o papel da toxicologia ambiental neste processo?
Sabemos que a utilização destas águas, por exemplo na rega ou noutras atividades humanas, são soluções possíveis. Contudo, e sobretudo os efluentes de estações de tratamento de águas residuais, estão contaminados com concentrações baixas de uma grande diversidade de compostos, como é o caso de fármacos e pesticidas - o que chamamos de «misturas complexas de contaminantes». A evolução dos métodos de análise química veio mostrar que, infelizmente, os tratamentos existentes não são ainda suficientemente eficientes na remoção destes compostos. Daí o desenvolvimento das novas tecnologias de tratamento que mencionei anteriormente, as quais visam baixar ou eliminar os níveis destas substâncias nas águas. Contudo, sabemos também que a redução destas concentrações químicas não resulta necessariamente na redução do potencial tóxico destas águas. Por um lado, nem todos os compostos são eliminados; por outro, dependendo da tecnologia utilizada, o tratamento pode originar a formação de produtos de degradação, por vezes mais tóxicos do que os compostos originais, ou ainda de outros compostos diferentes, produzidos pela tecnologia em si, também eles com potencial tóxico. Por isso, um desenvolvimento eficiente destas tecnologias, que vise a sustentabilidade ambiental, tem necessariamente de envolver uma componente de avaliação de diminuição de toxicidade pelo tratamento, o que vai permitir assegurar que os efluentes deixam de apresentar risco ambiental. É precisamente aqui que entramos, no desenvolvimento de métodos sensíveis de avaliação de toxicologia ambiental e na sua utilização - no âmbito de projetos multidisciplinares e com colegas de outras áreas, que desenvolvem novas tecnologias de tratamento.

Desde EEA Grants, ao seu envolvimento em diversos projetos de investigação FCT, H2020, Water JPI/WaterWorks, MIT Portugal e Norte2020, pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados atualmente em desenvolvimento e nos quais participa e/ou lidera?
Neste momento estou envolvida em quatro projetos internacionais e dois nacionais; em quatro deles, como coordenadora ou coordenadora da participação do CIIMAR, e líder/colíder de linha de investigação. Em dois deles, o tema ou a minha participação estão relacionadas com a Literacia do Oceano (OceanClass, Coast). Os restantes estão ligados aos problemas de perda de biodiversidade e ao papel dos contaminantes químicos de origem antrópica neste processo (BEESNESS), e, sobretudo, a este desafio de desenvolver ferramentas para a avaliação do restauro ou recuperação dos ecossistemas aquáticos (BioReset, Nature, Ocean3R). Há muitas ações de recuperação ou restauro em curso, mas, em muitos casos, não é efetuada uma monitorização/avaliação do progresso e/ou sucesso destas ações. Isto acontece porque os métodos atualmente existentes são complexos, caros e morosos, para além de baseados na avaliação de comunidades ecológicas, cujo tempo de recuperação é longo, e com esforço proeminente de amostragem e tratamento das amostras. Esta situação limita a compreensão de como estão a decorrer estas ações e o estabelecimento de medidas de correção adequadas e atempadas. Há uma necessidade premente de métodos expeditos, de fácil e rápida aplicação, que possam dar um alerta precoce de como está a decorrer a aplicação das medidas estabelecidas e do seu efeito/sucesso. É neste tema que temos tido os nossos mais recentes projetos aprovados para financiamento, em linha com as diretivas europeias e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Dada a sua extensa experiência neste campo, qual acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
Na minha perspetiva pessoal, é um conjunto de fatores que estão interligados. Começa por ter uma boa ideia, aplicada e multidisciplinar, que dá resposta a um desafio premente. Envolve o estabelecimento de parcerias adequadas ao seu bom desenvolvimento, e também uma boa apresentação da ideia, da forma como será desenvolvida e do seu impacto esperado, em termos ambientais, sociais e económicos.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
No geral, têm sido feitos progressos, mas o panorama continua muito pouco entusiasmante. Os financiamentos são muito limitados e não há ainda uma carreira de investigação estabelecida. Continuamos ao nível de contratos temporários, e os poucos contratos sem termo que existem não têm qualquer perspetiva de progressão na carreira. Os quadros de investigação das instituições são feitos sobretudo de lugares precários, sempre com tendência a diminuírem, apesar das medidas que têm sido lançadas. Servem frequentemente objetivos descontextualizados, há muito estabelecidos, sendo mais um ponto de passagem; uma situação de transição para um lugar de docente numa universidade. Nas universidades, os docentes têm cargas letivas excessivas, em comparação com muitos outros países, dispondo de pouquíssimo tempo para investigação. As duas carreiras não podem sobrepor-se, mas devem equilibrar-se mais. A investigação é essencial à docência, e a docência melhora a nossa investigação. Há que aproximar, em vez de olhar como sendo dois lados da barricada. Além disto, como foi já reconhecido, a burocracia associada à execução das verbas de investigação é enorme. Tudo isto torna-nos menos competitivos a nível internacional, o que é uma pena, pois temos uma excelente massa crítica e capacidade de investigação. Há imensos colegas que continuam a ir para fora em busca de melhores condições, que são facilmente integrados em excelentes unidades de investigação, e que estão a contribuir com grande sucesso para o desenvolvimento socioeconómico de outros países. Penso que, nos últimos dois anos, a situação de pandemia trouxe uma compreensão muito mais profunda da importância e do contributo socioeconómico da investigação científica e tecnológica para um país.
 


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