Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Luísa Valente
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) / Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR)

Investigação na área da aquacultura e nutrição de peixes


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
O meu percurso, quer académico, quer científico não foi linear. Ingressei na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) em 1986, onde concluí a licenciatura em Biologia – Ramo Científico. Desde cedo, percebi que era na área da investigação que queria trabalhar. O meu primeiro emprego foi, em Trás-os-Montes, na UTAD onde obtive o doutoramento em Ciências Biológicas em 1999. Regressei, mais tarde, à U.Porto através de um concurso para Professor Associado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Desde então que estou nesta unidade orgânica da U.Porto, onde fiz provas de agregação. Muito recentemente, e após mais de 20 anos de vida académica, tomei posse como Professora Catedrática para a área disciplinar de Ciências Animal e Ciências Veterinárias. É relevante mencionar que, depois do doutoramento, integrei o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), o que me permitiu estabelecer uma forte ligação com um ambiente estimulante de investigação e conhecimento na área do mar. Esta componente científica tem desempenhado um papel fundamental no apoio à formação avançada no ICBAS, nomeadamente através do programa Doutoral em Ciência Animal e de uma proposta para um novo Mestrado em Uma Saúde, que visa a Integração entre Saúde Humana, Saúde Animal e Saúde do Ambiente.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
O primeiro marco foi, sem dúvida, o meu último ano na Faculdade. Dos cerca de 90 estudantes apenas 8 optamos pelo ramo científico. Realizei um estágio único, no então Centro de Citologia Experimental, onde tive uma professora excecional, a Prof. Angélica, que nos dava todo o apoio e atenção. Isto na área da Fisiologia Vegetal, que era a minha paixão.
O segundo marco foi o meu doutoramento. Ingressar na UTAD e fazer um doutoramento na área da Zoologia, obrigou-me a procurar orientação fora de Portugal. Com o apoio do ICBAS, que já tinha uma forte ligação com a UTAD naquela altura, encontrei um orientador extraordinário no INRA, em França. Sob a sua orientação, desenvolvi competências científicas sólidas, um pensamento crítico apurado e a capacidade de realizar trabalho de investigação autónomo. Trabalhei em condições difíceis, equilibrando as 12 horas semestrais de serviço docente, no primeiro ano, com a investigação concentrada nas férias. Nos anos seguintes, obtive dispensa do serviço docente ao abrigo do programa PRODER. Sou grata à UTAD por ter permitido que isso acontecesse.
Finalmente, o terceiro marco na minha carreira é o regresso à U.Porto vinda de outra universidade. Por motivos pessoais, já vivia no Porto e era mãe do pequeno José Manuel. Soube de dois concursos para professor associado pelo Diário da República. Tinha consciência de que o concurso ia ser difícil, mas citando Nelson Mandela, personagem que muito admiro, “tudo parece impossível até que seja feito”. Fui à biblioteca requisitar todos os livros disponíveis na área dos concursos e preparei cuidadosamente as propostas de programa para cada candidatura. Ganhei um dos concursos em Fisiologia Animal. Foi um marco muito relevante na minha vida, pois aproximei-me de casa e consolidei todo o trabalho de investigação no CIIMAR.

Como coordenadora de uma das 3 linhas de investigação no CIIMAR chamada “Biologia, aquacultura e qualidade do pescado", pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver, e sobre quais considera serem os maiores desafios na atual conjuntura económica?
Eu começaria por elencar um dos grandes desafios até 2050 para a Europa e a nível global: duplicar a capacidade de produzir proteína de forma sustentável para garantir a segurança alimentar. É um desafio tremendo que precisa de todas as áreas do saber. Para contribuir para este propósito, precisamos da investigação fundamental que permita perceber os mecanismos base de funcionamento dos seres vivos (animais, plantas e seres unicelulares), associada a uma componente aplicada que aumente a eficiência dos sistemas e contribua para uma produção sustentável a nível social, ambiental e económico. No CIIMAR procuramos identificar e validar novas fontes de proteína e energia que possam ser usadas em dietas para peixes de forma segura, e permitam colocar no mercado pescado de elevado valor nutricional e acessível ao consumidor. Trabalhamos com toda a cadeia de valor, desde a produção de matérias primas, processamento, produção e transformação animal, distribuição e finalmente os consumidores finais. Nos dias de hoje as tecnologias, a digitalização e a inteligência artificial, áreas mais associadas às engenharias, fazem parte da solução pelo que trabalhamos de forma cada vez mais interdisciplinar. Esta é aliás a palavra que melhor caracteriza a investigação que se faz no CIIMAR. No grupo que coordeno, privilegiamos a relação com as empresas procurando antecipar problemas e propor soluções, fomentando um diálogo constante e construtivo. Sair do meio académico e conhecer a realidade de quem produz, é para mim uma necessidade e tem sido uma experiência muito enriquecedora. Temos, no ICBAS, no programa doutoral em Ciência Animal, um ramo em ambiente empresarial (SANFEED), que garante aos estudantes uma formação avançada de excelência e uma forte empregabilidade em ambiente não académico, facto de que nos orgulhamos.

A aquacultura é um processo em expansão e irreversível. É estimado, que a produção de peixe em aquacultura em Portugal atinja 25.000 toneladas por ano, a partir de 2030. Qual é a espécie de peixe que mais se produz em aquacultura e o que se pode fazer para manter a produção sustentável?
Portugal e a Europa são geografias deficitárias em pescado. Importamos muito acima do que consumimos. Segundo dados do INE em 2022, o défice da balança comercial dos “Produtos da pesca ou relacionados com esta atividade” agravou-se em 312 milhões de euros (+32,3%), atingindo 1 280,6 milhões de euros. Na UE temos uma legislação apertada e com políticas de sustentabilidade que reprimem a capacidade produtiva. As mesmas regras não se aplicam a países terceiros de onde vem grande parte do peixe que consumimos. Este é um desafio para a geração futura. Em Portugal, o desafio é ainda maior, pois somos o maior consumidor de pescado da UE. A nossa produção aquícola atingiu cerca das 18 mil toneladas em 2022, o que significa que muito há a fazer para atingir as metas estabelecidas de forma sustentável. As espécies mais produzidas são o pregado, a dourada e os bivalves (ameijoa, mexilhão e ostras), seguidas do robalo e da truta.
A sustentabilidade da produção é um conceito já promovido por muitas das nossas empresas, que implementam objetivos internos muito concretos nesta área. No âmbito do PRR foram financiados projetos que visam aumentar a competitividade reduzindo a pegada ecológica. Isto é possível implementando uma economia circular, recorrendo a energias renováveis e promovendo uma produção e consumo responsáveis. É um compromisso de todos. Reforço a importância de privilegiar produtos locais, que viagem pouco desde a zona onde são produzidos até aos nossos pratos.

Pode falar-nos um pouco sobra as diferenças que existem entre os peixes selvagens e os peixes de aquacultura, tanto no que respeita à qualidade, à segurança como à contribuição nutricional?
Esta comparação, hoje, faz pouco sentido. O esforço de captura do peixe selvagem atingiu o limite, pelo que o consumo crescente de peixe a nível global pode apenas ser suportado pela aquacultura. O nosso foco tem que estar no aumento da produtividade de forma sustentável e na qualidade do produto. Mas não quero fugir à questão. O peixe de aquacultura produzido em Portugal apresenta uma maior segurança e maior frescura. Basta pensar que os barcos precisam ir cada vez mais longe para pescar, pelo que o peixe demora cada vez mais a chegar aos pontos de venda. A aquacultura pode aumentar a proximidade aos mercados, daí a importância em incrementar a nossa capacidade produtiva, em detrimento de importações de países terceiros. Em termos de valor nutricional, o peixe produzido em cativeiro apresenta mais gordura. Isto é resultado de uma alimentação mais cuidada; na natureza os peixes não comem a quantidade que gostariam. Mas recordo que a gordura do pescado é muito saudável, rica nos ómega-3 de cadeia longa capaz de prevenir as doenças cardiovasculares, entre outros benefícios para a saúde. Os consumidores associam, por vezes, o peixe de aquacultura a uma textura menos consistente. No entanto, em provas cegas, nem sempre a origem do peixe consegue ser percebida. Quando o peixe fresco vem de longe, independentemente da sua origem, a qualidade é menor.

Quais as tendências, em Portugal e na Europa, em termos de soluções nutricionais, observadas nos segmentos de piscicultura?
A alimentação dos peixes é feita de forma muito precisa. Para que o peixe cresça saudável precisa ter uma alimentação equilibrada. Recorrem-se a matérias primas muito variadas e privilegiam-se aquelas com menor pegada ecológica. Há uma procura crescente por produtos diferenciados, com maior densidade nutricional e alegações do tipo “rico em selénio ou iodo” para responder a necessidades de determinados grupos populacionais, como sejam as crianças, grávidas e idosos. A alimentação saudável e funcional são uma tendência e aqui podemos dizer que o peixe é um superalimento. Temos é que saber cozinhá-lo bem!

Como membro do Conselho Diretivo do Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul – B2E, como é que se pode avaliar o trabalho dos laboratórios colaborativos? Qual é o impacto mais importante do CoLAB B2E?
Os laboratórios colaborativos têm como missão preencher um vazio na ligação entre a academia e a indústria. Produz-se muito conhecimento em Portugal que não se traduz num aumento de bens e serviços. Estes laboratórios são ainda muito jovens e passaram por um período de Pandemia Covid19, o que dificultou a sua consolidação. Penso que da panóplia de laboratórios criados há apenas espaço para alguns. Será natural que quando terminar o financiamento do estado a 100%, fiquem apenas os melhores. A bioeconomia azul encontra-se em franco crescimento em Portugal e o B2E tem participado ativamente na implementação de projetos nesta área, nomeadamente, através do Pacto da Bioeconomia Azul recentemente financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

A importância da sustentabilidade, incluindo no que respeita à pesca, é hoje um valor inquestionável e incontestável, a bem de todos. Considera que empresas e ensino superior atuam de forma conjunta ou de forma distinta no que respeita à procura de estratégias, cooperação e investigação para o combate ao declínio continuado da saúde dos nossos oceanos.
Em Portugal, a ligação entre a academia e a indústria está ainda muito pouco consolidada. Há pouco investimento privado nas Universidades, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo. A academia precisa sair muito mais frequentemente das quatro paredes e trabalhar no terreno com as empresas. As empresas precisam confiar mais na academia e fomentar sinergias. Isto pode ser promovido com políticas que beneficiem as empresas e a academia, através de projetos e formações mais aplicadas. Mas há sinais que mostram um aumento desta cooperação.

No seu entender quais são as limitações que existem a nível nacional que condicionam o investimento na aquacultura e que medidas deviam ser adotadas para ultrapassar esse condicionamento?
O reforço da produção obriga a uma mudança para políticas que permitam aumentar a competitividade das empresas. O acesso ao licenciamento por parte das aquaculturas, os seguros, o custo da energia e a capacidade de atrair e manter recursos humanos qualificados são algumas das limitações que permanecem. Estamos a falar de investimentos muitos pesados e que precisam ser cativados com políticas mais agressivas. Apresentaram-me recentemente um caso de um grande investimento em aquacultura que escolheu um estado Americano por ter uma política de baixo custo energético. Por outro lado, as licenças de produção precisam ser prolongadas para dar maior estabilidade aos investidores.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
Em Portugal temos cientistas extremamente conceituados no exterior. Basta olhar para os rankings para constatar este facto. Penso que a ciência é bastante valorizada pela sociedade, mas o investimento público permanece deficitário e irregular. Nos últimos anos temo-nos afastado da Europa. A Universidade hoje vive momentos de grande contração financeira o que se traduz na qualidade do ensino que é cada vez mais massificado. Damos conta quando saímos daqui. Por outro lado, os salários estão nivelados por baixo e temos uma academia envelhecida. É cada vez mais difícil reter talento e proporcionar aos jovens qualidade de vida. Por outro lado, a gestão dos projetos e todos os procedimentos associados à contratação pública ocupam um tempo desmesurável, que nos faz perder eficiência. Trabalhamos muitas horas e produzimos pouco. Este é um problema transversal em Portugal. Mas tenho esperança na nova geração. Na U.Porto temos alunos excecionais que exigem vidas mais equilibradas e podem mudar este paradigma.






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