Percurso ligado à Engenharia Metalúrgica e de Materiais
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U. Porto.
A minha formação é em Engenharia Metalúrgica e desenvolvi todo o meu percurso de investigação e de ensino associado aos materiais metálicos. Faço este ano 40 anos de ligação à Universidade do Porto e, neste período, trabalhei com equipas no desenvolvimento da área da Engenharia de Materiais Metálicos, nomeadamente, na produção de nanomateriais, intermetálicos e ligas de alta entropia (só para referir alguns tipos de novos materiais), na melhoria de materiais existentes através da manipulação da composição química e dos tratamentos pós-produção (em particular, aplicados a aços e ligas de alumínio), e no desenvolvimento de tecnologias de produção, com um destaque para a manufatura aditiva metálica.
Consegue identificar 2 ou 3 marcos na sua carreira que tenham sido mais relevantes para si?
É-me difícil destacar marcos. Existem sempre momentos marcantes associados ao nosso percurso pessoal, destacando-se os graus académicos e as mudanças de categoria, mas os maiores marcos são, muitas vezes, conseguidos coletivamente, envolvendo toda uma equipa que trabalha numa determinada área. Nesta perspetiva, posso realçar um conjunto de projetos FCT que, há cerca de 20 a 25 anos, nos permitiram consolidar competências e reforçar o grupo de investigação em Materiais Metálicos Avançados e, mais recentemente, os projetos em colaboração com a indústria (P2020 e PRR), que marcam a transição para uma investigação mais aplicada, com um impacto imediato no tecido industrial português.
Desde projetos de investigação financiados pela FCT ao FEDER, pode falar-nos um pouco sobre os projetos atualmente em execução em que participa ou lidera? Quais as suas temáticas e principais objetivos?
Atualmente integro equipas da FEUP que colaboram em três projetos do PRR, em projetos do P2020 (em fase de conclusão), projetos europeus e projetos FCT. Em muitos destes projetos, o trabalho é desenvolvido em estreita colaboração com o INEGI. Destes projetos, destaco os que têm uma forte ligação à indústria, em que os temas estão relacionados com a área dos transportes (ferrovia e automóvel), com a recuperação/remanufactura de grandes engrenagens e com o processamento de novos aços para a construção de grandes estruturas metálicas. O objetivo comum destes projetos é dotar as empresas e as instituições do sistema científico e tecnológico com recursos que possam ajudar Portugal a tornar-se um país mais competitivo, e aumentar as áreas específicas em que lidera. A minha colaboração para se alcançar este ambicioso objetivo está centrada no desenvolvimento de novos materiais, novas tecnologias de produção e otimização das existentes.
Na sua opinião, de que forma a docência consubstancia com a investigação financiada?
A investigação permite ao docente uma permanente atualização científica e, nas áreas de engenharia, enriquecer as aulas com casos práticos atuais. É também importante nos processos de definição/revisão de planos de estudo, permitindo desenvolver programas educacionais que promovam a excelência e formem graduados aptos a triunfar no competitivo mercado de trabalho. Outro aspeto importante é a possibilidade de dotar os laboratórios com equipamentos que o exíguo financiamento do Ensino Superior não permitiria adquirir. Mas a investigação também tem um aspeto que se pode tornar negativo e a que o docente/investigador deve estar atento; de facto, há tendência para se dar mais importância às áreas que dominamos melhor, em detrimento de outras, que até podem ser mais relevantes para a formação dos estudantes. Conter esta tendência é importante para que a integração docência/investigação seja mais eficaz.
Quais são os maiores desafios que sente no seu dia-a-dia, no que diz respeito ao trabalho que desenvolve?
Ao longo da minha carreira, já tive períodos em que o maior desafio era encontrar financiamento para suportar as atividades de investigação e formação. Nos últimos anos este aspeto foi atenuado e, atualmente, o maior desafio começa a ser encontrar e manter talento para suportar a investigação e o desenvolvimento requerido pelos vários projetos. Os nossos graduados, sejam eles doutores, mestres ou licenciados, são muito requisitados por empresas estrangeiras; as oportunidades e os desafios fora do país são constantes e muito atrativos. Apesar de Portugal ser um país excelente para viver, não consegue competir com o tipo de desafios e o nível de remuneração praticados noutros países europeus. No entanto, um desafio no dia-a-dia é a gestão do tempo; além das atividades de docência e investigação (incluindo aqui a gestão dos projetos), tenho as tarefas de gestão universitária e sou diretor de departamento e de dois programas doutorais. Gerir todas as solicitações, e aprender a dizer "não" a algumas, é, claramente, um desafio.
Tem realizado projetos junto da indústria aeroespacial e do setor automóvel. Quais foram os objetivos e as aplicações/contribuições destes projetos, do ponto de vista económico e ambiental?
Felizmente, os materiais estão em todas as atividades industriais e determinam muito o avanço do conhecimento. É natural que nós integremos projetos com os mais variados setores industriais, incluindo o aeroespacial e o automóvel. Nos projetos mais recentes com estes dois setores, a nossa atividade começa na seleção dos materiais com as propriedades adequadas a cada solicitação, prossegue com a produção dos componentes por variadas tecnologias (com a caraterização microestrutural e mecânica desses componentes), culminando com a inspeção e testes em serviço. Nos projetos associados a estes setores, um dos objetivos mais frequentes é a utilização de materiais e tecnologias que permitam a redução do peso dos veículos, com o consequente impacto económico e ambiental. Este impacto é mais relevante nos projetos do setor automóvel. Por um lado, devido a ser um setor com mais importância no PIB nacional e, por outro, pelo número de veículos e utilizadores envolvidos, em que a redução do peso do veículo permite uma redução do consumo de combustível e menor emissão de poluentes.
Considera que a ligação das empresas ao sistema científico e tecnológico, designadamente às universidades, é fundamental para a evolução do setor metalúrgico e de materiais?
A ligação da indústria à academia é fundamental para o desenvolvimento do setor industrial e para a adequação da formação académica às necessidades do mercado de trabalho, traduzindo-se em vantagens importantes para as duas. Esta colaboração permite a transferência de conhecimento, inovação e tecnologias, resultando em avanços significativos. A partilha de conhecimentos e experiências geralmente traduz-se numa maior eficiência na utilização de recursos e num aumento da competitividade comercial. Deve ser realçado que a indústria tem evoluído muito, com algumas empresas dotadas de estruturas internas de investigação, inovação e desenvolvimento, com recursos financeiros significativos, e possuindo algumas tecnologias mais avançadas do que as existentes nas universidades. Além deste acesso a tecnologias avançadas, as universidades também beneficiam dessa parceria, ao contactar com problemas reais do mercado de trabalho, permitindo alinhar a investigação com as necessidades da indústria. Na área da Engenharia Metalúrgica, o número crescente de doutoramentos em ambiente industrial é um ótimo exemplo desta parceria. Assim, a parceria permite a formação de profissionais mais qualificados, capazes de atuar de forma mais eficiente no setor metalúrgico e metalomecânico.
Quando se ouve dizer que “ainda não temos a tecnologia” para fazer algo, muitas vezes tal significa que ainda não temos os materiais adequados. Como avalia a evolução da engenharia de materiais, e como perspetiva o seu futuro?
De facto, o avanço das tecnologias de produção, e também de caraterização, está frequentemente dependente do desenvolvimento de novos materiais. No entanto, o inverso também é verdadeiro, com a evolução de alguns materiais e aplicações a ter sido possível graças ao desenvolvimento de novas tecnologias. Esta interdependência é uma das razões para que a engenharia de materiais se mantenha como uma área em constante evolução, com contínuos (por vezes disruptivos), avanços na produção de novos materiais, na melhoria das propriedades dos materiais tradicionais, e na descoberta de novas aplicações. A expectativa é que esta linha de atuação continue no futuro a dar resultados, permitindo o desenvolvimento de novas tecnologias e de novas soluções para os diversos problemas da humanidade.
Em Portugal, a indústria metalúrgica é responsável por mais de 10% do PIB e é um dos sectores mais exportadores da economia. No entanto, tem pouca visibilidade. Na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país pode lançar para aumentar a visibilidade e ser uma referência europeia neste setor?
É verdade que o setor metalúrgico e metalomecânico é o setor industrial mais exportador, que tem continuado a crescer e a afirmar-se internacionalmente. Não me parece que a visibilidade do setor seja reduzida, sendo Portugal uma referência em algumas áreas, mas concordo que poderia ser bem maior. O problema é que nós produzimos muitos componentes de elevada complexidade e qualidade, mas estes são frequentemente exportados, com reduzido valor acrescentado, e integrados em produtos comercializados com marcas de outros países. Precisamos de afirmar, e nalguns casos criar, mais marcas próprias, potenciando a excelência da nossa engenharia. Estas mudanças não são fáceis de conseguir, dada a dimensão do nosso mercado interno, mas há medidas que podiam ajudar o setor a reforçar-se. Reconhecer a importância da metalurgia e metalomecânica na nossa economia, reforçando a sua divulgação junto dos jovens que vão ingressar no ensino superior, e dotar os cursos superiores de um número de vagas que possa satisfazer as necessidades do setor, constitui uma medida premente e não muito difícil de implementar.
O que diria às novas gerações de engenheiros e, em particular, aos engenheiros de materiais que estão agora a iniciar a sua atividade?
Os engenheiros de materiais têm um mundo de oportunidades à sua espera em que podem potenciar a formação adquirida. Um mundo desafiante e em que o trabalho em equipa e a criatividade podem fazer a diferença; mas também um mundo exigente, no qual devem manter a ética profissional e ser persistentes, porque também vão encontrar obstáculos. Finalmente, é importante que se mantenham atualizados, porque esta é uma área em constante evolução. Mas, acima de tudo, diria que devem procurar realizar-se profissionalmente e serem felizes com aquilo que fazem; a vida é bem mais interessante quando gostamos do que fazemos no nosso dia-a-dia.
Poderá consultar mais informações sobre o investigador aqui.