Co-IR em Projeto da Cooperação FCT-CERN 2021
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e de quando e como surgiu o seu interesse pela física. Tinha outras ambições para área de estudo e profissão?
A física interessa-me desde sempre. Na tenra idade, fascinavam-me os foguetões e a exploração espacial. Eu entrei na licenciatura em Física da Universidade de São Paulo em 1977, e completei-a em 1980/1981. Completei o meu primeiro mestrado no Instituto de Física Teórica, em São Paulo, em 1983. Fui então para Inglaterra, onde fiz um segundo mestrado na Universidade de Cambridge (Part III, Mathematical Tripos), de 1983 a 1984, e, em Outubro de 1984, fui para Oxford fazer o doutoramento. Estive em Oxford até Agosto de 1987. De 1987 a 1989, fui investigador de pós-doutoramento no Institut fuer Theoretische Physik em Heidelberg, na Alemanha. Em Outubro de 1989, vim para Portugal e trabalhei no Instituto de Física e Matemática do INIC de Lisboa, até 1991. De Setembro de 1991 até Setembro de 2010, fui professor no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico. Estive de 1993 a 1995 na Divisão Teórica do CERN, em Genebra, como associado científico e estive muitos meses, em 1999, no Departamento de Física da Universidade de Nova Iorque. Estou na Universidade do Porto, na posição de professor catedrático, desde Setembro de 2010. De Setembro de 2013 a Julho de 2019 desempenhei as funções de Diretor do Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências. Nestes muitos anos de ensino e investigação, já dei aulas a milhares de estudantes e já orientei mais 40 estudantes de mestrado e 11 estudantes de doutoramento. Colaborei com centenas de colegas, em praticamente todas as partes do mundo.
O projeto “À descoberta do lado mais escuro da matéria escura” foi o único projeto da U.Porto (U.Porto como parceira) financiado pela FCT, no âmbito do acordo de cooperação entre Portugal e o European Laboratory for Particle Physics (CERN). Que aspetos salienta na promoção de uma candidatura vencedora?
Desde o ano 2000 que temos desenvolvido uma intensa investigação acerca da possibilidade de explicar a matéria escura como sendo um campo escalar acoplado com o bosão de Higgs. Para além de propriedades astrofísicas e cosmológicas muito específicas, esta hipótese permite também uma putativa deteção nos aceleradores de partículas. Há também potenciais ligações com um outro grande mistério da cosmologia moderna - a energia escura que preenche todo o Universo, a qual explica porque o Universo está, no presente, a expandir-se de forma acelerada.
Fale-nos um pouco do projeto intitulado «À descoberta do lado mais escuro da matéria escura». Qual é a sua missão, e quais os seus objetivos?
O nosso objetivo nesse projeto é aprofundar a investigação já desenvolvida, e procurar novas pistas que possam potenciar a deteção desta misteriosa componente do Universo.
No seu currículo, é longa a lista de artigos científicos publicados. Dos artigos científicos mais recentes publicados, quais os que destaca como mais relevantes, e porquê?
Mais recentemente, para além de continuar a investigar os problemas mais importantes da cosmologia - matéria escura, energia escura, teorias alternativas da gravitação -, nós propusemos uma nova abordagem para o problema da evolução do Sistema Terrestre, a qual nos permitiu obter a famosa “equação do Antropoceno”, e estudar inúmeras questões relativas à evolução do Sistema Terrestre, assim como desenvolver estratégias para a mitigação dos problemas associados, por exemplo, às alterações climáticas.
Qual considera ser o seu maior contributo para a física teórica ao longo da sua carreira?
A minha contribuição para a física é extremamente modesta. Enumero alguns dos problemas para os quais o meu contributo é não trivial: a problemática da putativa interação entre matéria escura e energia escura e a sua deteção; a técnica de introdução de campos vetoriais de gauge na cosmologia; a proposta da Mecânica Quântica Não Comutativa no Espaço de Fases; o modelo inflacionário com dois campos escalares; algumas propostas para resolver o problema da constante cosmológica; a solução do problema da aceleração anómala das sondas especiais Pioneer 10 e 11; a equação do Antropoceno, acima mencionada, e as suas implicações.
Num contexto de investigação cada vez mais multidisciplinar e em cooperação, pode falar-nos um pouco sobre os temas de investigação a que se tem dedicado?
A minha investigação foi sempre muito interdisciplinar e multidisciplinar, pois sempre envolveu áreas distintas como astronomia e astrofísica, gravitação, e física das altas energias. Mais recentemente, o nosso trabalho sobre o Sistema Terrestre levou-nos a trabalhar, para nossa grande satisfação, também com colegas das ciências sociais: sociólogos, especialistas em educação, filósofos, e juristas.
Dos vários enigmas na física, existe algum que o fascina particularmente? Qual e porquê?
O problema da constante cosmológica, ou da energia do vácuo. É, em toda a ciência, a maior discrepância que conhecemos entre a teoria e a observação. É um problema fascinante porque tem inúmeras facetas - envolve cosmologia, gravitação e teorias de unificação - e exige, para a sua solução, um alto grau de criatividade e de virtuosidade técnica. Apesar de eu ter escrito várias propostas para a superação desta contradição, tenho perfeita consciência de que há ainda muitos elementos fundamentais do problema por entender.
Como cientista, que apreciação faz do ensino universitário em Portugal, e como o compara com outras universidades por onde já passou, nomeadamente a Universidade de Oxford ou de Cambridge? Quais os aspetos que, na sua opinião, deveriam ser melhorados no ensino superior português?
O ensino em Portugal, sobretudo o universitário, é ainda muito dirigido e demasiado incremental. Não se estimula a resolução de grandes problemas, nem a abordagem de questões a mais longo prazo. Por regra, os estudantes são tratados como estudantes não universitários, e não é esperado que tenham iniciativa e curiosidade. Relativamente às Universidades mencionadas acima - comparativamente, não há nas nossas universidades um verdadeiro espírito de inovação. Fazemos investigação, apesar de tudo o resto: não temos apoio das Universidades, dado que não nos poupam duma carga excessiva de aulas e burocracia; as instituições que financiam os nossos projetos só o fazem esporádica e casuisticamente; e não há uma política científica com objetivos estratégicos e consensuais, fruto de uma discussão consequente e aprofundada.
Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais considera que serão alguns dos futuros desafios, relacionados com a ciência e a inovação, que a investigação enfrentará nos próximos anos?
Como disse acima, sem uma mudança fundamental de mentalidade será difícil fazer face aos desafios do futuro. Temos que inovar na investigação e, também, que renovar os quadros de professores/investigadores com rapidez, para que não haja ruturas e perda de conhecimentos e de experiências. Há que aumentar consideravelmente a dotação financeira das Universidades, se pretendemos que elas tenham um maior impacto científico, económico, social, etc. Infelizmente, não vejo no horizonte quaisquer mudanças nesse sentido.
Tratando-se a Física e a Astronomia de algumas das área cientificamente mais competitivas e de maior impacto, quais considera serem os principais passos/estratégias, ou até políticas, que o país pode adotar para promover mais investigação a nível nacional?
Na minha modesta opinião, deveríamos ter como objetivo a criação de grupos de excelência científica com dimensões adequadas para ter impacto a nível internacional. Tal implica objetivos, liderança, maturidade científica e institucional e, naturalmente, dotação financeira. Só muito raramente vejo todos esses elementos reunidos. Também neste capítulo, não é claro que se esperem mudanças significativas.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.