Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Paulo Célio Alves
Faculdade de Ciências (FCUP) / Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) / Associação Biopólis (BIOPOLIS)

Lidera a implementação da Estação Biológica de Mértola


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
A minha ligação com a Universidade do Porto começou em 1985, quando iniciei a licenciatura em Biologia. No segundo ano do curso, decidi seguir o ramo científico-tecnológico, e fiz estágio em gestão e conservação de recursos naturais. Quando terminei o curso, em 1989, fui dar aulas para o ensino secundário, mas apenas por uns meses, pois recebi um convite para o cargo de monitor na Licenciatura de Biologia. Passado um ano, entrei como assistente estagiário no Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre que, hoje, faz parte do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências. Entretanto, já passaram mais de 30 anos, e por aqui estou...

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
O primeiro grande marco foi a possibilidade de integrar um grupo de excecionais biólogos no Instituto de Zoologia. A sua paixão pela Biologia e pela Investigação foram muito inspiradoras e altamente motivadoras. Tive o privilégio de partilhar gabinete, durante vários anos, com o Vítor Vasconcelos e o Paulo Alexandrino, e de acompanhar o Nuno Ferrand em grande parte do seu percurso científico. Existia uma grande vontade de fazer algo diferente, focado na investigação de excelência. Foi neste ambiente que decidimos associar-nos a unidades de investigação da Universidade que, entretanto, surgiram como entidades com jurisdição autónoma. Como a minha área de investigação era Ecologia e Conservação de Mamíferos, fui com o Nuno Ferrand e o Paulo Alexandrino para o CECA - Centro de Estudos de Ciência Animal, cuja sede estava em Vairão, em Vila do Conde. O segundo marco foi o meu doutoramento em Ecologia, Reprodução e Genética da Lebre-Ibérica, que proporcionou os primeiros contactos a nível internacional e resultados muito interessantes, principalmente ao nível da história evolutiva das lebres. Esta fase coincidiu com a criação do CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos. Nessa altura, estávamos a dar os primeiros passos na internacionalização, e organizámos as primeiras conferências científicas internacionais. Uma delas, a 2nd World Lagomorph Conference (2004), foi organizada por mim, e tal foi o sucesso que, em 2006, fundamos a World Lagomorph Society, da qual sou Presidente. Nesse mesmo ano, estive pela primeira vez na Universidade de Montana e, desde aí, nunca mais deixei de viajar e de manter as colaborações internacionais com os Estados Unidos, Áustria, França, Suécia e Espanha. O terceiro grande marco é a criação da Estação Biológica de Mértola, que está a mudar o meu rumo, a nível profissional e mesmo pessoal.

Como coordenador do projeto da Estação Biológica de Mértola (EBM), pode falar-nos um pouco sobre a missão e os objetivos deste projeto pioneiro a nível mundial?
A principal missão da Estação Biológica é fomentar e apoiar a investigação em Biodiversidade, Agroecologia e Conservação dos Recursos Silvestres em sistemas mediterrânicos característicos do sul da Península Ibérica, sujeitos a eventos severos de seca. Pretende-se proporcionar as melhores condições para a realização de vários estudos e projetos de investigação, bem como teses de doutoramento e de mestrado ou estágios de licenciatura. Pretende-se que os melhores investigadores nacionais e mundiais se encontrem em Mértola para estudar, conhecer e discutir a Biodiversidade e a Sustentabilidade Ambiental, assim como a forma como devemos conciliar a agricultura, a pecuária, a caça e a exploração dos recursos silvestres com a conservação da Biodiversidade; ligar as atividades humanas do passado com as do presente, para termos no futuro um ambiente mais sustentável. A Estação Biológica de Mértola é a primeira a ser constituída em Portugal, e será única, a nível internacional, no conceito de juntar os investigadores com os agricultores, caçadores, apicultores, turistas e todo o público em geral, que use ou se preocupe com a conservação integrada da biodiversidade. Ao contrário das outras Estações Biológicas, a de Mértola está situada numa perfeita interface entre o ecossistemas natural e o meio urbano, estando perto das pessoas, locais ou turistas, e terá uma Galeria de Exposições sobre a Biodiversidade. Embora o edifício onde ficará a Estação Biológica de Mértola ainda não esteja pronto, já foi criada a Associação responsável pelo funcionamento da Estação Biológica de Mértola, que tem como sócios fundadores o CIBIO/BIOPOLIS, a Camara Municipal de Mértola, a EDIA e a Universidade do Porto. Já estamos a trabalhar quase em pleno, com projetos de investigação a decorrer, visitas de investigadores de todo o mundo, organização de cursos de verão e de conferências, desenvolvimento de teses de mestrado e de doutoramento. Uma questão a realçar é o contrato estabelecido entre a Estação Biológica de Mértola e a FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, que prevê a abertura de 20 bolsas de doutoramento nos próximos 5 anos. Ou seja, teremos pelo menos 20 estudantes de doutoramento a trabalhar na Estação Biológica de Mértola muito em breve, além dos investigadores e dos técnicos.

Tem especial interesse na ecologia e conservação de pequenos mamíferos e carnívoros. O que o levou a escolher esta temática como área de estudo e profissão?
A minha curiosidade, desde criança, em conhecer e compreender o mundo animal. Sempre gostei de andar a explorar a natureza, e sempre foram os mamíferos o meu grupo animal preferido, embora goste de todos os animais!! O coelho e a lebre são as espécies que estudo há mais de 30 anos. São espécies fascinantes, quer pelas suas características, que as fazem animais essenciais nos ecossistemas, quer pela sua história evolutiva, pois existem por todo o planeta, adaptando-se a todo o tipo de ambientes. Os carnívoros, por sua vez, e principalmente os felinos de médio porte, porque são animais fascinantes, muito vulneráveis às alterações ambientais e, em geral, pouco conhecidos.

A sua área de investigação tem uma forte componente de trabalho de campo. Tem alguma história curiosa que queira partilhar?
Adoro fazer trabalho de campo. Em geral, não consigo estudar nenhuma espécie sem a ir conhecer in loco. Com isto, já viajei praticamente por todo o Mundo, desde Estados Unidos, Costa Rica, Marrocos, Tunísia, Austrália, Nepal, Butão e, obviamente, por vários países da Europa. Mas tem sido nos Estados Unidos, em Montana, o local onde o trabalho de campo tem sido mais desafiante, pois, frequentemente, andamos sozinhos em locais totalmente remotos e muito perto dos animais selvagens. Não faltam histórias para contar. Por exemplo, uma vez andava a mudar cartões de memória de câmaras de foto-armadilhagem com uma estudante norte-americana e, em certa câmara, ela diz: “Esteve aqui um urso-preto, pois há uma fotografia às 7h30”. Vi o meu relógio, e eram 7h35.... olhei para um dos lados, e lá estava o urso-preto, a observar-nos. Tirei o spray-pimenta do cinto e fiquei em alerta... Colocámos a câmara no local... E afastamo-nos, calmamente, com o urso sempre a olhar para nós...

Pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados atualmente em execução, nos quais participa ou lidera, e que mais o entusiasmam? Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma se complementam?
Os projetos em que participo são muito variados. Há projetos de investigação mais fundamental, principalmente sobre aspetos evolutivos das lebres a nível ibérico e mundial, em geral financiados pela FCT, mas também por agências internacionais de Espanha, Áustria e Estados Unidos. Outros mais aplicados, muitos deles, com empresas privadas ou públicas - por exemplo, para inventariar a biodiversidade, métodos de gestão de populações de coelho-bravo, ou análise da hibridação entre o gato-bravo e o gato-doméstico. Por mais diferentes que sejam, acabam sempre por se complementar, porque, em geral, todos eles têm implicações na conservação da Biodiversidade. Mas, ao longo destes anos, percebi que investigação de excelência só se consegue se formos muito persistentes, empenhados, e trabalharmos durante muitos anos no mesmo assunto. É isso que tenho feito com as lebres, e os resultados que obtemos cada vez mais me entusiasmam e me fazem querer investigar ainda mais.

No contexto da sua investigação, está envolvido numa Ação COST (CA18134), ainda a decorrer. Que balanço retira desta experiência, e que dicas gostaria de partilhar com a restante comunidade científica da U.Porto, de forma a incentivá-los a integrar, também, uma ação COST?
Trabalhar em redes internacionais é uma experiência muito interessante e motivadora. Esta rede foca uma das áreas científicas em que eu e o meu grupo de investigação mais temos trabalhado nos últimos anos - Genética da Conservação -, e tem-me proporcionado contactos extraordinários. Cada vez mais a investigação é feita em rede, e as ações COST são um veículo extraordinário para se implementar essas colaborações.

No seu entender, como cientista, que apreciação faz do panorama científico português? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
Sinceramente, acho que não. Embora já se faça investigação de excelência em Portugal, e existam centros e investigadores de renome mundial, de certa forma isso, tudo não passa de um milagre pois, na minha opinião, Portugal está ainda longe de ter um sistema científico sólido. Basta pensar que não existe uma carreira de investigação, que a maioria dos investigadores têm contratos precários, e que outros, como eu, embora tenham contrato, fazem investigação a tempo parcial, pois, na realidade, são docentes e têm que dar aulas. O financiamento dos projetos de investigação é diminuto e, praticamente, não há investimento privado na investigação, a não ser algum na área da saúde. Mas sou otimista e acho que esta situação irá mudar, pois sinto que, cada vez mais, a opinião pública começa a valorizar a ciência, e espero que esta bola neve não páre de crescer, como aconteceu noutros países. O problema é que os portugueses têm a tendência de fazer muito com pouco e, isto, na ciência de excelência, não funciona bem assim...

O que destaca como mais relevante nos últimos anos ao nível de políticas ou iniciativas de organizações de Portugal, na área da biodiversidade, ecologia e conservação?
O mais relevante para mim é o programa de reintrodução do lince-ibérico em Portugal, que está a ocorrer em Mértola. É um enorme sucesso, que nos deveria orgulhar e ser inspirador para outros projetos e programas de conservação. Mas, infelizmente, e por incrível que nos possa parecer, acho que o investimento em Conservação tem diminuído. Há cada vez menos técnicos a trabalhar nas áreas protegidas e nas florestas, e as organizações não-governamentais do ambiente têm menos voz. Acho que a atual estratégia para a conservação, a nível nacional, é totalmente não funcional. Por exemplo, atualmente, não existe um diretor numa área protegida, como a do Parque Nacional de Peneda-Gerês. É possível gerir uma área protegida sem uma direção que está no local? Na minha opinião, não é.

O que espera de 2023 para a Conservação da Natureza, em Portugal e no mundo?
Não há dúvida que nunca se ouviu falar tanto de Biodiversidade como atualmente, e que isso se deveria refletir em mais ações de conservação da natureza. Mas isso não está a acontecer. Há que passar das palavras aos atos, aumentar significativamente os programas e ações de conservação da natureza no terreno, envolvendo necessariamente mais pessoas e recursos. Temos de ser muito mais ativos, de ter a capacidade de agir e prevenir, em vez de reagir, quando, por exemplo, uma determinada espécie ou habitat já está em extinção. Temos que implementar sistemas de monitorização das espécies (que têm de ser contínuos ao longo de tempo), que evitar a dispersão das atividades humanas por locais do mundo, de deixar de invadir os territórios das espécies selvagens e depois vir dizer que há conflitos, e que as espécies é que estão a invadir as cidades… Temos de respeitar mais a natureza. Temos de diminuir a pressão humana no planeta, de diminuir a exploração dos recursos naturais e de investir mais na preservação das espécies e dos habitats. Não há nada mais valioso no mundo do que a Biodiversidade - e temos de a proteger, se queremos viver neste planeta…



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