Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Pedro Camanho
Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) / Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI) - Laboratório Associado em Energia Transportes e Aeronáutica (LAETA)

Distinguido com Prémio Carreira da SPFIE


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Iniciei os meus estudos de Engenharia Mecânica em 1988, nas antigas instalações da FEUP, localizadas na Rua dos Bragas. Durante o meu percurso académico na FEUP, tanto na licenciatura como no mestrado, tive a felicidade de encontrar alguns professores excecionais, que entendiam o valor das experiências internacionais dos jovens estudantes. Desta forma, fui encorajado a aproveitar o Programa Erasmus, iniciado em 1987, para fazer uma estadia na Universidade Livre de Bruxelas (VUB - Vrije Universiteit Brussel) no âmbito do trabalho experimental da minha tese de mestrado. Após concluir o mestrado, sob orientação do Prof. Paulo Tavares de Castro, fui para o Reino Unido, para o Departamento de Engenharia Aeronáutica do Imperial College of Science, Technology and Medicine, em Londres, onde concluí o doutoramento em 1999, tendo sido orientado pelo Prof. Frank Matthews. Regressei, nesse mesmo ano, a Portugal, onde integrei o Departamento de Engenharia Mecânica da FEUP (DEMec) como Professor Auxiliar. Simultaneamente, aceitei o convite para coordenar a unidade de integridade estrutural do INEGI, onde tive a oportunidade de implementar, em articulação com o DEMec, uma estratégia para a investigação nesta área, no contexto da adesão de Portugal à Agência Espacial Europeia, que ocorreu em 2000. Esta experiência foi muito relevante para as minhas funções atuais, enquanto presidente do Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeroespacial (LAETA).

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Considero que o marco mais relevante da minha carreira profissional foram os vários convites que recebi para ser Visiting Scientist, nos laboratórios de investigação da Força Aérea Americana e no centro de investigação de Langley da NASA, logo após ter concluído o doutoramento. A investigação que desenvolvia, na altura, era relevante para a indústria aeroespacial, principalmente após o colapso do tanque criogénico do lançador reutilizável X-33, que estava a ser desenvolvido pela NASA e pela Lockheed Martin, e após a queda do Airbus A300 da American Airlines, em Nova Iorque. Nessa altura, a compreensão dos mecanismos físicos de deformação não linear e de rotura dos materiais compósitos usados nesses veículos ainda era limitada, e não existiam modelos computacionais para os representar com o rigor necessário. As estadias nos EUA foram muito importantes, sob várias dimensões. Em primeiro lugar, porque pude ligar a investigação que estava a desenvolver - resultante de curiosidade científica -, com respostas a problemas concretos - relacionados com investigações de acidentes que tiveram consequências trágicas, sob o ponto de vista humano e económico. Diria que tive a oportunidade de trabalhar seguindo o aforismo presente na fábula do Fedro da Macedónia: «Nisi utile est quod facimus, stulta est glori» (em português, «Se o que fazemos não é útil, vã é a glória»). Por outro lado, trabalhei num contexto que assegurava o que, na minha opinião, são condições necessárias para fazer investigação com impacto: ambientes intelectualmente estimulantes e tranquilidade para pensar nos problemas.

Para si, enquanto investigador, o que simboliza ser distinguido com o “Prémio Carreira” pela Associação Portuguesa de Fratura e Integridade Estrutural (SPFIE)?
Para além de significar que já não sou novo, trata-se do reconhecimento de um trabalho de grupo, que inclui os meus estudantes de mestrado, de doutoramento e os meus colegas, em particular os Professores da FEUP que despertaram a minha curiosidade para estudar com mais profundidade os problemas de fratura e integridade estrutural de novos materiais, nomeadamente de materiais compósitos de matriz polimérica, reforçados por fibras contínua - os Professores Paulo Tavares de Castro e António Torres Marques. Penso que os desafios científicos que a Mecânica da Fratura ainda coloca irão manter os investigadores nesta área ocupados durante as próximas décadas. Gostaria que as contribuições científicas que justificaram esta distinção possam servir de inspiração para as novas gerações de investigadores interessados na Mecânica da Fratura, Fadiga e Novos Materiais.

Como Presidente do Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica (LAETA), pode falar-nos um pouco do trabalho que se tem desenvolvido e ações futuras planeadas?
Quando assumi a presidência do LAETA, tive dois desafios principais e relacionados entre si: a reorganização do Laboratório Associado, e o processo de avaliação das unidades de investigação coordenado pela FCT. Após termos definido novos objetivos para o Laboratório Associado, e uma estratégia para os atingir, foi necessário tratar de aspetos operacionais muito relevantes, nos quais se incluiu a reorganização dos grupos de investigação do LAETA. Esta reorganização foi pensada de forma a aumentar a massa crítica nas áreas científicas fundamentais do LAETA e a promover investigação interdisciplinar, pois, por vezes, os avanços científicos mais relevantes ocorrem nas interfaces. Isto permitiu agilizar a nossa capacidade de resposta aos vários desafios que a sociedade enfrenta. A relevância dos objetivos traçados, a implementação da estratégia para os atingir, e a qualidade e impacto da atividade científica desenvolvida foram parâmetros tidos em consideração pelo painel internacional que avaliou as unidades de investigação, e que atribuiu a classificação de «Excelente» ao LAETA. Posteriormente, coordenei a candidatura do LAETA à requalificação como Laboratório Associado, onde tivemos de demonstrar que apoiamos a tutela na definição e implementação de políticas públicas. O LAETA teve uma excelente classificação (95 pontos em 100 possíveis), mas, infelizmente, os financiamentos propostos pela FCT, após os dois exercícios de avaliação, foram muitíssimo menores do que os atribuídos a outros Laboratórios Associados com classificações significativamente inferiores. Desta forma, um dos nossos objetivos é sensibilizar a tutela para a necessidade de assegurar que os exercícios de avaliação sejam consequentes do ponto de vista dos apoios financeiros concedidos, pois não se devem desperdiçar os parcos recursos existentes para apoiar a ciência em Portugal. Um outro objetivo passa por reforçarmos a nossa presença no pilar de excelência científica do Horizonte Europa. O LAETA tem tido a capacidade de conquistar projetos em todos os pilares do Horizonte Europa, desde a excelência científica até às parcerias, como, por exemplo, o Clean Aviation. A nossa aposta será nos projetos do European Research Council pois, na minha opinião, estes projetos têm um enorme impacto na carreira dos jovens investigadores e nas instituições onde estes desenvolvem a sua atividade.

Na sua opinião, dos projetos desenvolvidos pelo LAETA, e nos quais esteve envolvido, consegue identificar e falar-nos um pouco sobre aquele(s) que considera ter(em) tido um impacto significativo no que diz respeito à transferência de tecnologia?
Relativamente aos projetos em que estive envolvido destacaria, por dois motivos, os projetos desenvolvidos em colaboração com a Airbus. O primeiro motivo é que estes projetos correspondem ao financiamento de atividades de investigação por parte de empresas, sendo, assim, exemplos de alternativas a apoios por parte da FCT ou da União Europeia. Por vezes confunde-se engenharia avançada, ou simples atividades de consultoria com empresas, com atividades de investigação, que contribuem para o conhecimento, resultam em artigos científicos e em teses de doutoramento. Os projetos que têm vindo a decorrer em colaboração com a Airbus são projetos de investigação que resultaram de dois fatores: da nossa iniciativa em demonstrar de que forma é que alguns resultados científicos preliminares poderão criar conhecimento e tecnologias importantes para o negócio da Airbus e, por outro lado, da nossa abertura em desenvolver projetos de investigação motivados por desafios que esta empresa enfrenta. Considero que a discussão, que ainda existe em Portugal, sobre ciência fundamental e aplicada é anacrónica. O nosso posicionamento enquadra-se no espírito transmitido pela frase de Louis Pasteur: «Não há ciências a que possamos dar o nome de ciências aplicadas. Existe a ciência e as aplicações da ciência, ligadas como o fruto à árvore que o produziu». O segundo motivo prende-se com a transferência para várias empresas do conhecimento criado nestes projetos. Os modelos computacionais desenvolvidos nestes projetos foram selecionados para serem implementados nos principais códigos comerciais de elementos finitos (por exemplo, Dassault Systèmes - Abaqus, DIGIMAT - Marc, LS-DYNA). Por outro lado, os estudos experimentais que realizamos, para resolver os problemas associados às incertezas na obtenção de propriedades mecânicas de materiais compósitos solicitados a diferentes taxas de deformação, irão resultar em normas de ensaio AITM – Airbus Internal Test Method. Isto significa que o conhecimento gerado na U.Porto é usado na caracterização de materiais avançados, e no cálculo estrutural dos produtos desenvolvidos por empresas dos setores aeroespacial, automóvel, defesa e eletrónica.

Como ex-membro do Painel de Engenharia do Conselho Europeu de Investigação (ERC), quais as áreas do conhecimento que identifica como sendo as mais promissoras atualmente?
O ERC pretende financiar as melhores ideias dos melhores investigadores, independentemente da área científica. Em ciência há líderes e seguidores, sendo o número dos primeiros muito inferior ao dos segundos. O ERC quer apoiar líderes científicos que tenham ideias verdadeiramente inovadoras e de elevado risco concetual. Antes de abordar as áreas relacionadas da engenharia que considero mais promissoras, gostaria de identificar, a um nível mais macro, outras áreas nas quais não sou especialista, mas que tratam de assuntos de grande impacto, cumprindo assim um dos requisitos do ERC. A primeira: as ciências biológicas, que são a base de tudo. Para além de serem fundamentais para responder aos principais desafios que a sociedade enfrenta, é importante relembrar que a natureza e os seus serviços contribuem para mais de metade do produto interno bruto mundial. Uma outra área que me parece fundamental é a ligação da sociologia, ética e filosofia aos desenvolvimentos na inteligência artificial. Teremos, num futuro muito próximo, máquinas a tomarem decisões com impacto na vida dos seres humanos, assim como alterações radicais no mercado de trabalho. Regressando à engenharia, há vários temas que considero de grande interesse, como, por exemplo, a computação neural-morfológica, inspirada pela biologia do cérebro humano. Entre 5% e 15% da energia consumida mundialmente é usada em manipulação de dados, sendo expetável um aumento destes valores como resultado da ligação de um grande número de sensores à internet. O desenvolvimento de sistemas neural-morfológicos tem o potencial de reduzir drasticamente o consumo de energia, e é baseado em competências claramente interdisciplinares. Uma outra área relevante é a dos materiais e estruturas multifuncionais, capazes de armazenar energia, identificar danos, de se autorregenerar e de mudar de forma. Estes materiais e estruturas têm aplicações verdadeiramente disruptivas, desde a robótica flexível, às asas morfológicas e a baterias estruturais.

Perante a dimensão e a diversidade dos problemas gerados pela situação pandémica, de que forma as Instituições de Ensino Superior, no período pós-Covid-19, podem ser uma das alavancas na recuperação económica e social do País?
A U.Porto, em colaboração com as suas unidades orgânicas e institutos de investigação associados, desenvolveu um conjunto de iniciativas de grande relevo no combate à pandemia. Por exemplo, em articulação com o Vice-Reitor para a Investigação e Inovação da U.Porto, Prof. Pedro Rodrigues, o LAETA/INEGI coordenou uma iniciativa de produção de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, tendo projetado, otimizado e fabricado mais de 10 000 suportes de viseiras na primeira semana do estado de emergência. Isto só foi possível graças ao empenho de professores, investigadores, técnicos, estudantes, institutos de investigação, hospitais e empresas que disponibilizaram impressoras 3D e ofereceram o material necessário à produção dos equipamentos de proteção. Relativamente ao período pós-Covid-19, as instituições do ensino superior e as suas unidades de investigação são fundamentais para viabilizar os projetos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), aprovado pela Comissão Europeia. Por exemplo, o INEGI participa em cerca de 22 dos 51 projetos aprovados no âmbito do PRR, em áreas relevantes para a recuperação do país, que vão desde os novos sistemas de armazenamento de energia até à ferrovia. Por outro lado, a boa execução destes projetos depende de pessoas com formação superior, o que significa que a recuperação económica e social do país, parcialmente alavancada nestes projetos, depende fortemente da formação dada pelas instituições do ensino superior, baseada não só nos ciclos de estudo existentes como também nos novos ciclos de estudo criados no âmbito dos programas “Impulso Jovens STEAM” e “Impulso Adultos”.

Quais são os maiores desafios que sente no seu dia-a-dia no que diz respeito ao trabalho que desenvolve? Considera que a Engenharia perdeu reconhecimento nos últimos anos?
O meu trabalho envolve investigação, ensino, inovação, gestão universitária, coordenação de um laboratório associado (LAETA) e do pilar de investigação de um instituto ligado à U.Porto (INEGI). Penso que o meu principal desafio é encontrar tempo e tranquilidade para me dedicar à investigação ao mesmo tempo que tenho outras atividades muito exigentes, nomeadamente a coordenação de um laboratório associado, no contexto de um sistema científico nacional altamente burocrático e ineficiente. Relativamente à segunda questão, considero que a Engenharia tem ganho reconhecimento, pois, cada vez mais, a sociedade entende a relevância da formação, investigação e inovação na área da Engenharia para o desenvolvimento económico do país. Esta convicção é reforçada pelo facto de nos últimos anos os cursos com as médias mais elevadas no concurso nacional de acesso serem nas áreas da Engenharia: Engenharia Aeroespacial (IST), Engenharia Física e Tecnológica (IST) e Engenharia e Gestão Industrial, um curso criado pelo Departamento de Engenharia Mecânica da FEUP.

Enquanto cidadão, como é que gostaria de ver Portugal daqui a dez anos?
Na minha opinião, Portugal tem de resolver três problemas fundamentais para evitar transformar-se num parque de diversões para turistas e reformados endinheirados. Os dois primeiros problemas são a corrupção endémica e o mau funcionamento da justiça. Não há qualquer possibilidade de Portugal se desenvolver sem assumir e enfrentar com determinação estes dois problemas, que contribuem para o empobrecimento do país. O terceiro problema é a falta de ambição e de uma visão clara do que queremos ser daqui a 10 ou 20 anos, ou mesmo uma visão a 50 ou 100 anos, como é prática em alguns países asiáticos. David Landes, no seu livro «A Riqueza e a Pobreza das Nações», defende que o sucesso das nações resulta de iniciativas internas que, a meu ver, tardam a chegar a Portugal. É evidente que nos últimos dois anos têm sido tomadas várias medidas casuísticas para enfrentar as crises que nos têm assolado, mas talvez estivéssemos mais bem preparados para lidar com algumas destas crises caso existisse uma visão - clara e imune a ciclos políticos - do que queremos para Portugal, em vez de pensarmos apenas nos quatro anos de intervalo entre eleições. Vivemos num mundo desfigurado pela guerra, pandemia, inflação, crise energética, alterações climáticas, perda de biodiversidade e crise das democracias liberais, ao mesmo tempo em que estão em curso desenvolvimentos científicos e tecnológicos que têm um enorme potencial para transformar a sociedade, como, por exemplo, a ligação da inteligência artificial à bioengenharia, sem que as questões éticas associadas a estes desenvolvimentos sejam discutidas com a profundidade exigível. Neste contexto, penso que nos dias de hoje os principais ativos que promovem o desenvolvimento e a prosperidade das nações são o conhecimento, a cidadania, a cultura e o talento. Gostaria que, nos próximos 10 anos, Portugal se transformasse num país capaz de atrair e reter os melhores talentos, proporcionando perspetivas de futuro para os jovens, de forma que a nossa sociedade seja menos desigual, mais exigente, menos dependente do estado, e mais resiliente a crises.



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