Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Raquel Duarte
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da U.Porto (ICBAS) / Instituto de Saúde Pública da U.Porto (ISPUP)

Distinguida com a Medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde – Grau Ouro


Para si, enquanto investigadora, o que simboliza ser distinguida com a Medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde – Grau Ouro, pelo papel relevante que desempenhou na resposta à pandemia de COVID-19?
A pandemia exigiu que colocássemos as nossas competências ao serviço do bem comum. Cada um de nós fez o melhor que pôde. A nossa primeira exigência é a de ter feito tudo o que era possível. Com isso, já me sinto habitualmente satisfeita. Receber um prémio pelo trabalho feito, receber uma Medalha de Serviços Distintos, é uma honra. É a manifestação pública de que o nosso trabalho valeu a pena, que foi reconhecido.
Claro que acaba por ser injusto para os que não foram nomeados. Ninguém consegue ter sucesso sozinho. Eu tive o privilégio de ter uma equipa excelente a trabalhar comigo. Na realidade, a Medalha não é minha - é nossa.

Que expetativas tinha quando assumiu o cargo de consultora na organização da resposta regional à pandemia COVID-19, na região Norte de Portugal? Olhando para trás, teria feito algo de forma diferente?
A pandemia apanhou-nos a todos de surpresa. Já tinha experiência na organização da resposta a outras doenças infeciosas, nomeadamente da tuberculose, a nível regional, nacional e em outros países. Tinha experiência em organizar a resposta a uma ameaça bem conhecida, de acordo com os meios disponíveis. Não era essa a situação. Estávamos perante uma ameaça que não conhecíamos, e não tínhamos noção ainda da sobrecarga que isso colocaria no sistema nacional de saúde e em toda a população. Tendo isso em vista, diria que, no início, quando fui chamada, apenas tinha intenção de pôr as minhas competências clínicas e de administração ao dispor da comunidade e, em conjunto com uma equipa, encontrar as respostas mais adequadas à situação que enfrentávamos.

Fale-nos um pouco do seu percurso científico na U.Porto: do trabalho desenvolvido, e de que como este foi importante para a obtenção desta distinção.
Eu sou médica. Tirei a minha licenciatura no ICBAS. No meu sexto ano abriu uma vaga para monitora de Saúde das Populações. Comecei a gostar de doenças infeciosas e de saúde pública. Foi assim que, quando a oportunidade surgiu, escolhi a especialidade de Pneumologia no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, e entrei no Mestrado em Saúde Pública da Universidade do Porto. Evoluí na minha carreira médica (sou agora Assistente Graduada Sénior de Pneumologia), e fui seguindo a minha carreira académica, com o doutoramento em Saúde Pública (sou agora Professora Associada convidada no ICBAS). Entretanto, fui-me apercebendo de que precisava de melhorar as minhas competências em gestão, pelo que decidi fazer o mestrado em Gestão e Economia dos Serviços de Saúde, na Faculdade de Economia da U.Porto. Durante este percurso, mantive-me sempre a fazer investigação nas diferentes áreas em que estive envolvida – quer em clínica, quer em gestão. Este percurso académico tem-me permitido ter uma visão abrangente da atividade médica – como clínica, como investigadora, como gestora e como professora.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Um dos primeiros marcos da minha carreira profissional foi a escolha da especialidade. Com dois grandes amores - a Pneumologia e a Saúde Pública -, ter conseguido manter a ligação às duas especialidades foi fundamental para o que sou hoje. O segundo marco foi a decisão de me dedicar à área das doenças infeciosas, nomeadamente, à tuberculose e micobactérias não tuberculosas. Nesta área, consegui pôr em prática as minhas competências clínicas, de saúde pública e de gestão, quer a nível nacional, quer a nível internacional.

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no Grupo de Investigação de Doenças Infeciosas do Instituto de Saúde Pública do Porto (ISPUP), e sobre a relevância deste em termos de impacto social e aplicação de políticas públicas?
O grupo de investigação de doenças infeciosas conta com um grupo multidisciplinar. Essa costuma ser a forma como gosto de trabalhar, permitindo ver os problemas de várias perspetivas. Contamos com médicos, economistas, geógrafos, farmacêuticos, especialistas em ciências da educação, veterinários… Algumas das áreas de investigação assentam na avaliação dos programas de saúde - como estão a ser aplicados, as barreiras que enfrentam, como podem ser melhorados, o efeito dos determinantes sociais e demográficos.

Em paralelo com a docência no ICBAS e a investigação no ISPUP, desempenha funções na Europe Region Officers of the International Union Against Tuberculosis and Lung Disease, na Assembly 10 - Infectious Diseases da European Respiratory Society, no Centro de Referência Regional para a Tuberculose Multi-resistente, e na Unidade de Investigação Clínica da ARS Norte. Que balanço retira destas experiências?
Estas estruturas têm objetivos diferentes. A Sociedade Respiratória Europeia tem como objetivo treinar e atualizar os pneumologistas nas áreas das doenças respiratórias. A Union propõe-se a ajudar os países a aplicarem boas práticas clínicas, a identificar as barreiras e a encontrar soluções. Estes organismos têm-me permitido trabalhar as doenças infeciosas de uma forma global e identificar formas de comunicar e ensinar, em diferentes contextos e para populações diversas. Permite também criar redes entre investigadores, tornando mais relevantes os trabalhos em que ficamos envolvidos. O centro de referência para a tuberculose multi-resistente é um centro clínico. Este centro é responsável pela orientação de todos os doentes com tuberculose multirresistente ou extremamente resistente da região Norte do país.  Estas formas de doença são as mais graves, uma vez que não têm ao seu dispor os fármacos mais eficazes para o tratamento da tuberculose e são potencialmente intratáveis. Este trabalho exige uma interligação muito eficaz entre os médicos de todos os centros de tuberculose, de forma a garantir que todo o processo de diagnóstico, tratamento e rastreio das populações em risco decorra de forma eficaz, em toda a região. A unidade de investigação clínica nasceu no decorrer da pandemia, quando sentimos a necessidade de criar evidência que nos ajudasse nas nossas propostas. Agora, temos investido na melhoria das competências em investigação dos médicos da região, com a criação de cursos de formação e o desenvolvimento de projetos com aplicação direta nos serviços e comunidades em que estão envolvidos.

Portugal é um país de média incidência de tuberculose. A pandemia veio comprometer o diagnóstico da tuberculose, o que se pode associar a formas mais graves de doença. Quais são, atualmente, os principais desafios que a tuberculose em Portugal enfrenta, sobretudo no que respeita à organização e recursos humanos? Qual é, para si, o papel da investigação na compreensão, prevenção e tratamento da doença?
A incidência de tuberculose tem vindo a diminuir em Portugal. Como consequência, já assistíamos, antes da pandemia, a um atraso cada vez maior no diagnóstico. Esse atraso é atribuível ao doente, que não valoriza os sintomas, e não procura os cuidados de saúde, mas também ao sistema de saúde. O sistema de saúde pode ser responsável pelo atraso no diagnóstico, se criar barreiras no acesso a uma consulta ou à realização de um exame, ou se o profissional de saúde não pensar em tuberculose como diagnóstico diferencial. A pandemia veio criar barreiras no acesso aos cuidados de saúde. Simultaneamente, foram também sentidas dificuldades no seguimento dos doentes em tratamento, com maior dificuldade em manter aquilo que se considera o gold standard no tratamento da tuberculose - que é a toma observada diretamente. Esta toma da medicação orientada por um profissional de saúde garante a adesão ao tratamento, mas, sobretudo, a identificação e resolução célere de efeitos adversos associados à medicação (frequente causa de má adesão à terapêutica prescrita). Nesta fase, devemos estar atentos ao contexto epidemiológico do país e da nossa região, prepararmo-nos para o efeito do atraso de diagnóstico e da possível má adesão, não identificada, ao tratamento, assim como para o efeito das ondas migratórias de países de alta incidência, resultantes da guerra ou de outras condições sociais, económicas adversas.

Dado o contexto atual em que vivemos, e o impacto da pandemia COVID-19, quais os efeitos secundários mais duradouros da pandemia?
A pandemia teve um efeito social, económico e na saúde da população; os três estão interligados. Na saúde, vamos sentir os efeitos dos determinantes sociais e económicos (agravados pela guerra), as consequências do atraso de diagnóstico das doenças infeciosas e das doenças crónicas (ou da falta do seu controlo) e o efeito da falta de alguns medicamentos (que já começa a se sentir).

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A área da investigação em Portugal tem vindo a crescer. Continua, contudo, a ser difícil ser-se investigador. A carreira de investigação é mal remunerada e frequentemente dependente de bolsas. A nível nacional, são poucas as oportunidades de financiamento de projetos de investigação. Simultaneamente, é difícil ser-se médico e investigador. Não se aceita com facilidade que haja uma parte do horário de um médico dedicado à investigação. Regra geral, um médico que pretenda fazer investigação fá-la fora de horas. Precisamos de pensar sobre que investigação pretendemos no país, que tipo de médicos queremos, se queremos investigação médica e como a pretendemos valorizar.

Que mensagem gostaria de deixar aos médicos portugueses?
Os médicos portugueses têm uma formação de excelência. Temos tido oportunidade de garantir que os nossos médicos façam uma formação de base de qualidade nas escolas médicas, e que tenham o seu desenvolvimento como especialistas em locais de credibilidade, com profissionais experientes. O futuro vai exigir algo mais aos médicos. A pandemia mostrou-nos que não estávamos preparados para surpresas, para ameaças que não conheçamos. Uma coisa é certa: o SARS-CoV2 não será a última ameaça global com que nos iremos deparar. Vamos ter de construir estruturas de saúde que nos permitam ter níveis de resposta mais rápidas, mais flexíveis. Temos de ser capazes de nos adaptarmos às necessidades, reduzir o efeito da ameaça e reduzir as suas consequências. Para isso, será muito difícil que mantenhamos o nível de subespecialidade a que nos fomos habituando, com muitos pequenos silos, não comunicantes. Ao mesmo tempo, o médico ganhou uma visibilidade como comunicador de saúde. Precisamos de garantir esse espaço, aprendendo a comunicar não só entre nós, mas com o doente e com a comunidade.




Poderá consultar mais informações sobre a investigadora aqui.

 Copyright 2023 © Serviço de Investigação e Projetos da Universidade do Porto.
Todos os direitos reservados.