Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Rui Henrique
Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto) / Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS) / Centro de Investigação IPO Porto

Presidente do Conselho de Administração do IPO Porto


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o que o levou a escolher as Ciências Médicas e, em particular, as áreas de Patologia e Oncobiologia, como áreas de estudo e profissão.
A minha ligação à U.Porto remonta a 1986, quando iniciei o curso de Medicina no ICBAS, que terminei em 1992. As Ciências Médicas foram uma escolha do momento em que me candidatei ao ensino superior. Sempre tive uma predileção pelas ciências da vida e da saúde, e tinha o objetivo de me dedicar à investigação científica. A minha primeira experiência docente teve início em 1991, também no ICBAS, como monitor de Histologia e Embriologia, área na qual comecei o meu treino científico, sob a orientação do Prof. Rogério Monteiro e do Prof. Eduardo Rocha, dedicando-me ao estudo de alterações em células nervosas do córtex cerebeloso, relacionadas com o envelhecimento, num modelo animal. Estas duas experiências foram absolutamente decisivas para a minha escolha de especialidade médica, pois a minha intenção enquanto estudante sempre fora dedicar-me a uma área clínica, e acabei por escolher uma área que considero híbrida – a Anatomia Patológica. Após ter terminado a especialidade, no IPO Porto, instituição à qual estou ligado desde 1995, fui desafiado pelo meu Diretor de Serviço, Prof. Carlos Lopes, a desenvolver um projeto de doutoramento em Patologia Prostática e a desenvolver atividade docente na unidade curricular de Patologia. Terminei o meu doutoramento pelo ICBAS em 2006 e obtive o título académico de agregado em 2011, desenvolvendo a atividade docente no ICBAS e a atividade assistencial e de investigação no IPO Porto. Posso dizer que tenho o privilégio de trabalhar nas áreas que gosto e de realizar, todos os dias, o meu sonho de integrar assistência, ensino e investigação.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Os marcos principais da minha carreira profissional foram, sem dúvida, a direção do Serviço de Anatomia Patológica do IPO Porto (2006-2019) e as responsabilidades de regência da Patologia e Anatomia Patológica no ICBAS (desde 2012). Apesar de corresponderem a duas instituições diferentes, são dois marcos muito próximos e mutuamente influenciados, podendo mesmo afirmar que são sinérgicos. E como complemento, as minhas atividades de investigador na área do Cancro, a qual está profundamente interligada com todas as minhas outras funções e responsabilidades.

Que expetativas tinha quando assumiu o cargo de Presidente do Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto), e em que medida a bagagem acumulada nas suas funções anteriores – nomeadamente dentro do IPO – tem sido útil neste novo papel?
A minha expetativa era simples: colocar ao serviço de uma instituição, à qual tanto devo na minha carreira profissional, e dos seus Doentes, a experiência que acumulei ao longo dos anos. Entendi que o meu conhecimento direto e grande envolvimento nas atividades assistencial, formativa/educacional e de investigação científica, poderiam constituir uma mais-valia se transportadas para a gestão de topo do IPO Porto, reforçando a visão estratégica da instituição, a qual reconhece a importância capital desses três domínios. Espero ter dado um contributo nesse sentido.

Em paralelo com a docência no ICBAS, desenvolve a sua atividade científica no Grupo de Epigenética e Biologia do Cancro – Centro de Investigação do IPO Porto. Pode falar-nos um pouco dos projetos financiados atualmente em execução, nos quais participa ou lidera? Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma os projetos se complementam?
A linha condutora da nossa atividade de investigação é a Epigenética do Cancro, numa visão de compreensão da biologia da doença e aplicação prática a cenários de vida real. Os tumores urológicos são os modelos de estudo principais, centrando-nos na descoberta e desenvolvimento de novos biomarcadores oncológicos para deteção precoce, auxílio ao diagnóstico, monitorização e avaliação prognóstica. Igualmente, dedicamo-nos à exploração de novas estratégias terapêuticas, sejam elas baseadas em novos compostos ou na reutilização de fármacos com outras indicações terapêuticas, mas que podem ter um papel importante na modulação epigenética (algo que muitas vezes se designa por “reposicionamento” ou “repurposing”). Sou parte de uma equipa bastante vasta, que inclui biólogos, bioquímicos, médicos e técnicos, o que assegura uma pluralidade de visões e de aproximações a um mesmo problema, algo que considero fundamental para obter respostas e soluções. Tal como na biologia das populações e, infelizmente, do cancro, a diversidade é a chave do sucesso. A partir dos modelos urológicos, expandimos para outros, como o cancro da mama, do pulmão, colorretal, ginecológico, etc. A Epigenética funciona como o elemento agregador de toda esta investigação, o que lhe confere uma grande coerência e uma enorme vantagem em termos de sinergia dos modelos estudados.

No seu currículo conta com diversas participações em projetos. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
Julgo que, ao longo do tempo e em função das circunstâncias, têm sido valorizadas coisas diferentes. A originalidade da pergunta científica parece-me continuar a ser um fator decisivo, mas, cada vez mais, a aplicabilidade ao mundo real surge como elemento diferenciador. Compreendo que assim seja, dado que quem financia pretende que do trabalho realizado possa surgir inovação e progresso. Contudo, é algo que não pode constituir o único parâmetro de avaliação, pois sem resposta a perguntas básicas da biologia da doença (que por vezes podem não prever, sequer, uma aplicação prática) será muito difícil manter vivo todo um ecossistema científico cuja diversidade (uma vez mais!) será decisiva para aproveitar as oportunidades de progresso. Por outro lado, e ainda que seja algo valorizado, parece-me que a experiência e trabalho prévio do investigador estarão a ser menos valorizados. É algo, também, compreensível, pois se for valorizado em excesso será um critério que tenderá a acentuar e perpetuar o apoio apenas aos que têm uma carreira mais longa e bem-sucedida, diminuindo as oportunidades de progressão dos mais jovens, que tantas vezes surgem com ideias inovadoras e de maior risco.

Quais são, atualmente, os principais desafios que a Oncologia portuguesa enfrenta, sobretudo no que respeita à organização e aos recursos humanos? Qual é, para si, o papel da investigação na compreensão, prevenção e tratamento da doença?
Na minha opinião, o maior desafio é a organização da prestação de cuidados em Oncologia (numa visão das múltiplas especialidades médicas e profissões da área da saúde envolvidas), de forma integrada, harmonizada, equitativa e com qualidade e segurança. Isto significa que tem que existir uma rede que interligue as diversas estruturas envolvidas, na qual os papéis e funções de cada um estão bem definidos, e o fluxo de informação e de Doentes é fácil e célere. Sem este tipo de estrutura organizativa bem definida, podem ser recrutados todos os recursos humanos que se queira, mas estes não serão efetivos para proporcionar a resposta necessária e os resultados esperados. Portanto, falar apenas de recursos humanos em déficit (que certamente existe) e ignorar ou desvalorizar a necessidade de, com coragem e determinação, estabelecer uma organização eficiente e eficaz, é pura demagogia. Isto mesmo se interliga com a segunda parte da questão: este tipo de estrutura é precisamente aquele que permite desenvolver iniciativas de investigação robustas destinadas e melhor compreender a biologia do Cancro, possibilitando melhorar a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento.

Avaliar o impacto da pandemia no diagnóstico e tratamento dos doentes com cancro é um dos desafios pós-COVID-19. Em termos percentuais, qual foi o impacto ao nível de cirurgias e meios complementares de diagnóstico?
Julgo que este desafio se começou a colocar ainda durante a fase mais aguda da pandemia, e que se mantém na atualidade. Antes de mais, é necessário esclarecer que a diminuição da assistência aos doentes oncológicos não foi algo que apenas sucedeu em Portugal, foi global, e que não atingiu apenas a Oncologia, pois áreas como as doenças cardiovasculares e as metabólicas, para além da saúde mental, foram também severamente atingidas. Dito isto, e baseado no que foi a minha experiência nestes mais de 2 anos de gestão da pandemia no IPO Porto, posso informar que o impacto mais extremo se verificou logo no início (março e abril de 2020) e que, em maio de 2020, estávamos já em plena recuperação da nossa atividade. Contudo, esta nossa dinâmica não foi acompanhada ao nível da referenciação (que sofreu uma redução de 17%), por múltiplas causas, o que limitou a nossa capacidade de intervenção, em especial no ano de 2020. Globalmente, nesse ano, verificou-se uma redução de cerca de 20% nas cirurgias realizadas (especialmente em ambulatório, pois foi de apenas 8% para as realizadas no Bloco Operatório Central) e de 15% nos meios complementares de diagnóstico. Ao nível das consultas, a redução foi pouco significativa (0,3%), muito devido à implementação de teleconsultas, o mesmo sucedendo nos tratamentos de quimioterapia (decréscimo de apenas 1%). Já o ano de 2021 foi claramente de recuperação, a todos os níveis, e o mesmo se verifica em 2022, onde, apesar de o número de casos positivos diários ter atingido os maiores níveis de sempre (em maio e junho), fomos capazes de manter e até expandir a nossa capacidade de resposta. A pandemia de COVID-19 colocou-nos perante desafios sem precedentes, e a resposta à mesma foi e deve continuar a ser uma fonte de aprendizagem, que devemos aproveitar para melhorar as nossas organizações ao nível da prestação de cuidados.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
O panorama científico em Portugal, na atualidade, deve muito da sua expressão e vigor à visão e capacidade de realização do Ministro Mariano Gago. Bem sei que é algo do conhecimento geral, mas que nunca deve ser esquecido, e o seu legado tem que ser continuado e expandido. Se, no seu tempo, o problema seria criar massa crítica, hoje em dia diria que o problema é como manter essa massa crítica, e reter o valor humano (podemos chamar-lhe “talento”). O sistema científico, tal como existe, tem muitas fragilidades, por falta de uma visão/estratégia a médio e longo prazo, que permita às instituições (e aqui posso incluir também as empresas) ter um referencial de previsibilidade que permita pôr em prática planos de desenvolvimento. Existe muita precariedade e, em alguma medida, esta é natural no sistema científico - ao ser promotora de mobilidade e de aquisição de competências adicionais -, mas que se está a transformar na norma e, sobretudo, sem uma perspetiva de solução a longo prazo. Têm sido propostas medidas para fazer face a esta situação e, neste ponto, permita-me referenciar a recente entrevista do nosso Reitor ao Diário de Notícias, que aborda esta temática de uma forma clara e direta. Acho que tudo quanto é mais importante nesta temática está distintamente vertido nessa entrevista. Quanto à Ciência ser valorizada, poderíamos apontar muitos exemplos de reconhecimento social a Cientistas portugueses. A título de exemplo, considero que a nomeação da Prof. Elvira Fortunato, uma eminente cientista, como Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, constitui mais um reconhecimento público da relevância da Ciência em Portugal.

Na sua opinião, quais prevê que sejam, numa perspetiva nacional, as tendências/dinâmicas de modernização dos equipamentos e do investimento tecnológico no SNS que está, atualmente, praticamente paralisado?
No respeitante a este tema há que tomar em consideração que o Orçamento de Estado para 2021 contemplava verba para investimento em equipamento dito “pesado” (e.g., de imagiologia e de radioterapia), a qual foi, pelo menos em parte, executada. Foi privilegiada, e bem, a substituição de equipamento com antiguidade significativa e em risco de obsolescência. Permita-me dar o exemplo do IPO Porto que, ao abrigo desta iniciativa, adquiriu um acelerador linear para radioterapia intra-operatória, uma técnica que só está disponível neste centro, a nível nacional. Obviamente que as necessidades são muito mais amplas e diversificadas e que haverá, também, oportunidades de rentabilização dos equipamentos existentes, permitindo incrementar a eficiência da sua utilização. Estou certo de que cada instituição do SNS tem um plano de substituição e aquisição de equipamento próprio. Seria importante que todos esses planos pudessem estar alinhados e integrados numa visão, no mínimo, regional, promovendo sinergias e evitando redundâncias. Em casos específicos, a visão tem que ser nacional. Um exemplo é a protonoterapia: dada a nossa dimensão e os custos de implementação e manutenção, um único centro será, neste momento, suficiente para as necessidades e indicações. Mais uma vez, a necessidade da rede de cuidados a que já aludi é fundamental para que tudo isto possa funcionar harmoniosamente e esteja ao alcance de todos os que necessitam.

Que mensagem gostaria de deixar aos médicos portugueses?
Escrevo estas linhas em plena “crise das urgências obstétricas”, o que não pode deixar de influenciar a minha mensagem. Por esse motivo, gostaria de exortar todos os Médicos a cumprirem a sua vocação humanista, o que, de uma forma muito simples, se traduz em servir primariamente o Doente (“O Doente será a minha primeira preocupação”). Ser-nos-á concedida tanta mais razão nas nossas justas reivindicações quanto mais cumprirmos este dever ético de serviço, apesar de todas as dificuldades, e quanto mais o que exigirmos seja em benefício da prestação de cuidados, e não apenas em benefício próprio. Para exigirmos muito dos outros (e certamente com muitas razões), temos que começar por exigir muito de nós próprios. Nada há mais demonstrativo de um comportamento ético que a exemplaridade. Quando ela não existe ou não é aparente, é fácil interpretar qualquer reivindicação como eventual expressão de ganância. Algo com que, certamente, nenhum Médico (ou outro profissional de saúde), se quer identificar. Portanto, a mensagem é simples: cumprir, e exigir.



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