Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Sandra Tavares
Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) 

Distinguida com a Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência 2021


Para si, enquanto investigadora, o que simboliza ser distinguida com a Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência 2021?
É uma enorme honra. É um selo de prestígio, reconhecido internacionalmente, e que valida o meu investimento pessoal e profissional. Este prémio é um passo fundamental para a concretização de uma ambição: formar o meu próprio grupo de investigação e tornar-me independente.

Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico, e sobre como este foi importante para a obtenção desta distinção.
Em 2008, licenciei-me em Bioquímica, na FCUP, e decidi seguir o caminho científico: Fascinava-me a forma como a química explicava a biologia. Depois de realizar a minha tese de mestrado no IPATIMUP, fui selecionada para o programa doutoral do Instituto Gulbenkian de Ciência. A oportunidade de fazer o doutoramento no laboratório da investigadora Florence Janody, na altura no IGC, surgiu logo a seguir. Foram cinco anos a estudar o que fazia com que células normais se transformassem em células cancerígenas. Foi durante este período que fiquei interessada em perceber o que controlava o comportamento mais agressivo das células - a outra ponta do espetro. Assim, terminado o doutoramento, segui para Utrecht, nos Países Baixos. Queria saber mais sobre o subtipo mais agressivo de cancro da mama. O que conseguimos, em 5 anos, foi único; conseguimos ir da molécula ao paciente. Apesar de, na equipa, todos terem backgrounds diferentes, e terminologias próprias, fomos capazes de desenvolver, com muito sucesso, o nosso projeto. Em novembro de 2021, voltei para Portugal, para o i3S, para o grupo de investigação liderado pela Dra. Janody. Para continuar o trabalho iniciado nos Países Baixos, a distinção da L’Oreal vai ajudar-me a desenvolver, no i3S, um projeto com tecnologia de ponta e apoiado pela network que estabeleci ao longo da minha carreira.

Esta distinção é sem dúvida um passo importante no seu percurso de investigação. Que ambições ou objetivos na sua futura carreira na investigação se seguirão?
Eu quero sedimentar a minha independência como investigadora. Quero contribuir para formar nov@s investigador@s. Mas, mais do que isso, quero ser capaz de implementar cá o que aprendi nos Países Baixos, trazer a minha rede de contatos, e continuar com a mesma energia para devolver à sociedade o investimento que tem feito em mim.

Pode falar-nos do seu grupo de investigação no i3S: Cytoskeletal Regulation & Cancer, e sobre o trabalho que têm desenvolvido, e seu contributo para a sociedade?
Eu faço parte da equipa de investigação cuja Group Leader é a Dra. Florence Janody. Aqui tiro partido da total liberdade dada pela Dra. para desenvolver a minha própria linha de investigação. Esta tem como grande objetivo desvendar mecanismos moleculares responsáveis pela agressividade do cancro da mama triplo negativo. Ao conhecer mais, teremos mais hipóteses de identificar novas oportunidades terapêuticas.

O cancro da mama é o mais frequente entre as mulheres, e uma das principais causas de morte do sexo feminino. Pode falar-nos um pouco sobre o projeto pioneiro no qual descobriu uma proteína que consegue prever a eficácia da quimioterapia?
O meu projeto de post-doc era, na sua essência, um projeto de ciência fundamental. Usamos técnicas de bioquímica, estrutura de proteínas, biologia molecular e biologia celular. Quando estávamos a ligar todos os pontos, percebemos que a proteína e o processo celular (reciclagem proteica), que tínhamos descrito, tinha potencial para ser um alvo terapêutico, usando fármacos já disponíveis na clínica. Por termos olhado para o problema de um ângulo diferente, fomos capazes de encontrar uma ferramenta que os clínicos podem usar para melhor identificar quais as pacientes que vão beneficiar de um regime de quimioterapia contendo taxanos.

Tendo já efetuado períodos de investigação no estrangeiro, o que lhe despertou esse interesse, e que importância esses períodos além-fronteiras tiveram no seu percurso académico/profissional?
Desde que terminei a minha licenciatura, ponderei e preparei, sempre, cada passo do meu percurso com muito cuidado. A mobilidade na carreira é um parâmetro muito importante para a progressão da carreira dos cientistas em Portugal. Sendo pragmática: uma estadia no estrangeiro não é só importante para o desenvolvimento pessoal, é também fundamental para conseguir financiamento. Eu sabia que, para ser independente em Portugal, uma estadia no estrangeiro seria uma ótima alavanca. Para além de ter aprendido muito cientificamente, percebi que a nossa Ciência tem a mesma qualidade. Mas também percebi que, lá fora, há oportunidade para experimentar e errar. Cá em Portugal, por causa da falta de financiamento, não há espaço para o erro. E, assim, sinto que se podem perder oportunidades para inovar mais.

O que acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
A network. Ir para o estrangeiro, para um local onde se desenvolve ciência state-of-the-art e trazer connosco uma network sólida e dinâmica, faz uma enorme diferença. Os projetos vão ser mais relevantes, a possibilidade de sucesso será tida como mais provável, e a importância para a comunidade nacional é também mais elevada.

Apesar de não se vislumbrar uma possível cura para o cancro da mama, será possível, futuramente, curar mais e, sobretudo, tratar melhor os tumores. De que forma o projeto no âmbito do cancro da mama triplo-negativo, e o trabalho desenvolvido nesta área, pode informar, para além da ciência, também medidas e políticas aos níveis nacional e internacional?
Nós queremos que as pessoas tenham mais hipóteses de saírem vencedoras na sua luta. E queremos que vivam melhor depois da luta. Só seremos bem-sucedidos se formos capazes de transmitir o nosso trabalho a quem o aplica. Temos que procurar e trabalhar mais na implementação na clínica. E temos que saber mais do que se faz na clínica, para irmos mais ao encontro das suas necessidades. É uma conversa que tem que ser permanente.

Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
A ciência tem finalmente uma voz de grande credibilidade na sociedade. Antes do COVID-19, era mal apoiada e financiada pelo governo e sociedade civil; infelizmente, absolutamente nada mudou. Pelo contrário, este ano tivemos um corte no investimento na ciência. O desafio de hoje é o desafio de sempre - financiamento -, mas, agora, com a adicional desilusão de termos sido ignorados quando se olha para o futuro e para a “recuperação e resiliência” de Portugal.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português, na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A qualidade da ciência desenvolvida em Portugal é óbvia e reconhecida por todos, nacional e internacionalmente. Acho que devemos orgulhar-nos do que a nossa comunidade científica tem conseguido, tendo em conta a sua breve história. Para este sucesso tão rápido, em muito contribuiu a elevada qualidade na formação de investigadores, que é reconhecida internacionalmente. Temos ciência de muita qualidade a ser feita em Portugal mas, infelizmente, o investimento na formação não parece ter continuação no investimento nas ideias e equipas existentes. Há um descontínuo, que faz com que a nossa competitividade diminua. Nós temos dificuldades em atrair investigadores internacionais, em captar a atenção de editores das melhores revistas, e isso dificulta a captação de financiamento. Para tentar contrariar este cenário e cimentar o nosso espaço na arena científica internacional, deveríamos procurar reforçar não só as colaborações nacionais, mas também (e talvez ainda mais importante) as nossas colaborações com parceiros internacionais. No cancro da tiroide e gástrico somos referências mundiais, mas podemos expandir a nossa área de influência, temos a qualidade e potencial para o fazer; precisamos “apenas” de mais apoios.



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