Vencedora de ERC Starting Grant
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e o que mais valoriza no LAQV-REQUIMTE.
Eu costumo dizer que nasci e cresci na U.Porto. Toda a minha formação académica e percurso científico ocorreu na U.Porto. Iniciei o meu percurso científico em 2006, data em que concluí o curso de Bioquímica. Na altura ingressei no grupo de investigação do Prof. Victor de Freitas, atualmente Prof. Catedrático da FCUP, e na verdade, nunca mais saí. O meu percurso científico passou sempre por Química dos alimentos, o qual terminei em 2006. Seguiram-se uma Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Segurança Alimentar, Mestrado em Bioquímica e Doutoramento em Química, que concluí em 2012.
Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
De facto, acho que houveram 3 marcos que ditaram grande parte da minha carreira. O 1º marco foi ter procurado fazer um estágio internacional (no German Institute of Human Nutrition, Dife, Alemanha) para completar uma atividade que tinha proposto no meu projeto de doutoramento. Isto pode parecer banal hoje, mas àquela data não era frequente isso acontecer no grupo onde estava. Portanto, tive de tratar de tudo sozinha. Decorrente dessa colaboração, aconteceu o 2º marco, em que o artigo que publicamos recebeu um prémio internacional de melhor artigo da revista J. Agricultural and Food Chemistry, uma conceituada revista na minha área de investigação. E, finalmente, o 3º marco, foi decorrente do desenvolvimento de um biossensor em conjunto com a BIOMARK. O desenvolvimento deste biossensor foi responsável pela atribuição do prémio Wartburg Excellence Award in Flavor Research 2019, patrocinado pela Nestlé.
O que representa para si e para o seu grupo de investigação a aprovação de um projeto ERC Starting Grant intitulado BeTASTy - New Molecular and Cellbased Approaches to assess Food Astringency and Bitterness?
Esta bolsa de investigação é um marco na carreira de qualquer investigador. Entre vários pontos intrinsecamente relacionados com as bolsas ERC (prestígio, inovação e investigação de ponta), para mim representa a possibilidade de aumentar a equipa de investigação, ter recursos humanos altamente especializados e de excelência e estabelecer o meu próprio laboratório. Para o meu grupo de investigação representa a possibilidade de fazer trabalho experimental inovador, revolucionário e diferenciador, utilizar técnicas inovadoras, e ainda abrir portas a colaborações de excelência. O tipo de trabalho proposto não seria possível sem este tipo de financiamento.
Fale-nos um pouco do projeto BeTASTy. Como surgiu a ideia, qual é a sua missão e objetivos?
A ideia surgiu após um segundo estágio no Dife, em 2017, agora como Pós-Doutorada. Numa reunião em que apresentei as minhas ideias para o futuro da minha investigação aos chefes de laboratório do Dife e ao meu chefe, foi consensual que deveria procurar um financiamento europeu. Isto foi a rampa de lançamento para este projeto. A missão deste projeto é ir além do estado da arte atual da investigação em química alimentar, para responder aos desafios proeminentes da adstringência e do amargor. Esta proposta assentará numa compreensão mecanística e funcional aprofundada dos principais eventos físico-químicos que desencadeiam a perceção fisiológica e neural da adstringência por uma abordagem inovadora considerando as principais peças-chave orais, incluindo mecanorrecetores. Este projeto também aprofundará as características individuais que levam às diferenças sensoriais entre indivíduos. O objetivo final será utilizar o conhecimento adquirido para a criação de biossensores de ponta cell-free. A multidisciplinaridade do BeTASTy trará avanços científicos sobre os eventos bioquímicos-neuronais-percetuais da adstringência e amargor que, eventualmente, permitirão modulá-las.
Pode falar-nos um pouco sobre o processo, desde a preparação da candidatura à submissão, e das várias fases depois de submeter a proposta?
Como referi anteriormente, o início da ideia de concorrer a um financiamento europeu surgiu em 2017. Nessa altura, comecei a trabalhar numa proposta que viria a ser submetida em 2018, mas que não foi financiada. Essa mesma proposta foi reanalisada e debatida com os meus pares, e uma versão melhorada foi submetida em 2021. Isto só para dizer que, frequentemente, as propostas não são financiadas à primeira, e têm de ser amadurecidas e repensadas com alguns dos inputs da primeira revisão. Em relação ao processo de candidatura e de seleção, é um processo com duas fases: na primeira, é apenas avaliado um documento chamado B1, que inclui uma sinopse da proposta, bem como o perfil do Investigador Principal (IP); se for selecionada para a segunda fase, o IP é convidado para uma entrevista, e é avaliado um documento B2, que consiste numa versão completa da proposta. Esta segunda avaliação é efetuada tanto pelos membros do painel (cerca de 10 elementos), como por diversos experts externos, especialistas na área de investigação.
Nesta candidatura tive o auxílio de um consultor na preparação da proposta, e também de uma empresa especializada na preparação de entrevistas. Acho que isto foi fundamental para o sucesso da proposta.
De que forma o projeto BeTASTy, e o trabalho desenvolvido nesta área, pode informar, para além da ciência, também medidas e políticas aos níveis nacional e internacional?
Eu diria que esse impacto será um impacto a longo termo. Tendo em conta os objetivos deste projeto, pretende-se que, a longo termo, este projeto seja uma ferramenta importante para o desenvolvimento de estratégias para a modulação da adstringência e do amargor. Dependendo das estratégias mais eficientes, pode ser necessário fazer chegar ao consumidor essa informação e, portanto, poderá ser necessário providenciar medidas de informação e formação para a população em geral.
Qual tem sido o contributo dos Fundos da União Europeia para o seu trabalho de investigação?
Na verdade, este é o primeiro financiamento da União Europeia para o meu trabalho de investigação. Este tipo de financiamento é bastante distinto dos financiamentos nacionais, tanto pelo montante como pelos consórcios montados. Portanto, os financiamentos europeus têm um impacto muito grande na investigação.
Durante os próximos 5 anos constituirá um grupo de trabalho para levar a cabo o projeto galardoado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla de língua inglesa). Fale-nos dos perfis da equipa, e sobre como o projeto irá motivar a criação de sinergias entre equipas de investigação dentro e fora da U.Porto.
A equipa que irá integrar a ERC será uma equipa multidisciplinar, constituída tanto por investigadores doutorados como por diversos bolseiros com graduação de mestrado, os quais serão convidados a seguir para doutoramento. O background dos investigadores será complementar às valências já existentes na equipa atual, nomeadamente expertise em organoides e cascatas de sinalização, e outro em técnicas espectroscópicas. À semelhança da minha atual investigação, o projeto irá promover colaborações na U.Porto, nomeadamente com o i3S, e com outras instituições fora da U.Porto, nomeadamente Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, SenseTest e Biomark.
Que conselhos daria a todos(as) aqueles que se encontram atualmente a desenvolver propostas de investigação, de forma a melhor se prepararem, e responderem de forma mais competitiva, a futuros concursos de financiamento de projetos de IC&DT, como é o exemplo do Conselho Europeu de Investigação?
Os conselhos que dou passam muito por fazer colaborações nacionais e internacionais, discutir ideias com investigadores seniores, e tentar estabelecer parceria com empresas/indústria. A ciência não é individualista, e cada vez mais as linhas de investigação cruzam fronteiras entre várias disciplinas do conhecimento. Nós, muitas vezes, temos uma ideia inicial que, ao ser pensada e discutida por investigadores de diferentes áreas, acaba numa ideia final muito diferente, mas muito mais inovadora.
Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais considera que serão alguns dos futuros desafios, relacionados com a ciência e a inovação, que a investigação enfrentará nos próximos anos?
Eu acho que, a nível nacional, um dos desafios marcantes da ciência e inovação passa por conseguir segurar, de forma sustentada, a massa crítica constituída por investigadores, técnicos, estudantes de doutoramento e mestrado. Esta pandemia demonstrou que, em paralelo, com os profissionais de saúde, os investigadores e técnicos de laboratório são peças fundamentais tanto na descoberta e produção de vacinas, como também na realização e processamento dos testes. As competências necessárias para estas funções implicam muito investimento na formação destes profissionais. Outro desafio da ciência e inovação, mais relacionado com a minha área de investigação e que considero muito importante, é conseguir estreitar a relação alimentação-saúde-envelhecimento saudável. Cada vez temos mais evidências de que a alimentação é fulcral na nossa saúde; por outro lado, enquanto há uns anos estávamos interessados em aumentar a esperança média de vida (o que já foi bem conseguido!), atualmente estamos interessados em que esse aumento se traduza em qualidade de vida. Ou seja, as pessoas vivem mais tempo, mas é preciso que o vivam com saúde e com bem-estar. E a alimentação pode ser a chave para isso.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.