Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Teresa Cunha Ferreira
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) / Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo (CEAU)

Investigação em Arquitetura com incidência nas teorias, metodologias e práticas de intervenção no património construído, cidades e paisagens


Retrospetivamente, fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico e o que a levou ao campo disciplinar da arquitetura, como área de estudo e profissão?
Sempre gostei de artes, ciências e humanidades, sendo que a arquitetura permitia integrar todas estas dimensões pelo seu caráter holístico. O curso na FAUP, a experiência Erasmus no Politécnico de Milão e o estágio curricular da Direção Regional dos Edifícios e Monumentos do Norte (DGEMN) intensificaram o meu interesse sobre a intervenção em contexto patrimonial, temática sobre a qual acabei por desenvolver a minha dissertação de final de curso e a tese de doutoramento no Politécnico de Milão. Ambas com a orientação do Prof. Francisco Barata, um excelente Professor com quem tive a sorte de iniciar o meu percurso docente e de investigação na FAUP.

Para quem ainda não conhece o trabalho que tem vindo a desenvolver, pode referenciar algum momento, atividade ou algo produzido por si que tenha sido marcante?
Não sei se tenho algum trabalho mais marcante, o meu percurso tem sido mais uma corrida de fundo investindo em diversas áreas que me foram interessando, com um horizonte convergente. Cerca de dez anos após a conclusão do Doutoramento (Doutoramento Europeu, Politécnico de Milão, 2009) começaram a surgir alguns frutos do trabalho prévio, designadamente a Cátedra UNESCO ‘Património, Cidades e Paisagens. Gestão Sustentável, Conservação, Planeamento e Projeto’ (2019), o projeto ‘Keeping It Modern – Piscina de Marés’ financiado pela Fundação Getty (2020), dois projetos FCT (2021, 2022), entre outros. Um dos grandes desafios atuais é a coordenação executiva da candidatura de Obras Arquitetónicas de Álvaro Siza em Portugal, para inscrição na lista do Património Mundial da UNESCO. O apoio da Direção da FAUP, do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo (CEAU) e da Reitoria da U.Porto tem sido muito relevante neste processo, assim como do coordenador do grupo em que estou inserida no CEAU, o Prof. Rui Póvoas.

No seu currículo, conta com diversas participações em projetos, alguns deles, como investigadora principal. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
Da minha experiência, os projetos devem estar de forma explícita alinhados com as atuais agendas das políticas nacionais e internacionais – alinhadas com princípios de sustentabilidade e adaptação climática, inclusão, participação, digitalização, entre outras -, na medida em que são estas que fundamentam a abertura das candidaturas e dos guiões de avaliação. Por outro lado, é preciso ter uma ideia forte, clara e criativa, que sirva de fio condutor e transversal a todo o projeto de investigação.
Ainda assim, um tema aparentemente ‘já estudado’, pode ser objeto de um olhar renovado ou de uma nova perspetiva alinhada com as problemáticas contemporâneas acima referidas, como é o caso de um dos projetos de investigação que estou a coordenar – “Atlas do Projeto em Património Arquitetónico: Contributos da Escola do Porto”, financiado pela FCT.

Pode falar-nos um pouco do trabalho que se tem desenvolvido no Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo (CEAU), unidade de investigação onde está integrada?
Estou integrada no CEAU desde 2009, no Grupo de Investigação ‘Património da Arquitectura, da Cidade e do Território’ (PACT) que incide sobre questões teóricas, metodológicas, projetuais e técnico-construtivas ligadas à intervenção em contexto patrimonial em sentido lato, do antigo ao contemporâneo, do rural ao urbano, do território ao edifício, do tangível ao intangível. Em particular, encontro-me integrada em três linhas de investigação do PACT - ‘Estudos sobre o Património da Cidade e do Território’ (EPCT), 'Ações de Reabilitação Arquitetónica do Património Edificado’ (ARAPE) e ‘História da Construção’ (HC) -, nas quais são desenvolvidos projetos de investigação a par com a organização de encontros científicos e a disseminação da investigação. No PACT, e em colaboração com outros grupos de investigação dentro e fora do CEAU, tenho vindo a coordenar ou participar em projetos financiados, seja de âmbito nacional ou internacional, seja com entidades públicas e privadas. Tenho também vindo a apoiar a Direção na elaboração de relatórios, planos, candidaturas e processos de avaliação.

Que contribuições práticas os arquitetos podem dar para alcançar o desígnio da sustentabilidade do edificado, não só do ponto de vista energético, mas também ambiental e social?
O arquiteto tem um relevante papel neste campo, enquanto ator na transformação do território. O edifício mais sustentável é aquele que já existe, pelo que há aqui um campo de intervenção importante para os arquitetos, que é o da intervenção no construído. Com efeito, atualmente, a reabilitação de edifícios preexistentes predomina na prática dos arquitetos em Portugal. A Ordem dos Arquitetos tem vindo a sublinhar, em diferentes âmbitos, a importância desta temática, nomeadamente no último congresso intitulado “Qualidade e sustentabilidade: construir o (nosso) futuro” que ocorreu este ano nos Açores.
Concordo com a sua visão de que a sustentabilidade não é apenas um problema de energia, tecnologia ou ‘economia verde’, mas deve ser abordado de forma holística sem esquecer os padrões de ‘qualidade’ e integrando os três pilares - ambiental, económico e socio-cultural. Neste contexto, gosto muito da definição de Anne Heringer “For me, sustainability is a synonym of beauty: a building that is harmonious in its design, structure, technique and use of materials, as well as with the location, the environment, the user, the socio-cultural context. This, for me, is what defines its sustainable and aesthetic value”. A Comissão Europeia lançou em 2020, uma iniciativa criativa e interdisciplinar, ‘A New European Bauhaus’. O seu mote - ‘beautiful, sustainable, together’ - também reflete bem essa visão integrada e abrangente do conceito de sustentabilidade.

Como cientista, que apreciação faz do panorama atual da arquitetura em Portugal, sobretudo num contexto pós-pandémico e debaixo dos efeitos de um conflito militar em território europeu?
O panorama atual é marcado por uma enorme vulnerabilidade, não só decorrente das pandemias e conflitos, como também das alterações climáticas, desequilíbrios sociais, entre outros fatores. Neste quadro, é importante desenvolver projetos com vetores de sustentabilidade, resiliência e adaptação às mudanças rápidas. A União Europeia tem investido muito nestas temáticas, determinando agendas políticas e de financiamento orientadas por princípios de sustentabilidade, qualidade e inclusão (European Green Deal, New European Bauhaus, Davos Baukultur Quality System, ICOMOS European quality principles for EU-funded interventions, entre outras).
Creio que continua a haver trabalho para os arquitetos em Portugal. Porém, é infelizmente uma profissão pouco e mal regulada, com problemas, seja no que respeita aos honorários, seja decorrentes de alguns erros políticos como a nova proposta de alteração ao Código dos Contratos Públicos ou a lei 96/XV/1, que pretende alterar os Estatutos de Associações Públicas Profissionais.

Qual a missão e objetivos da Cátedra UNESCO?
Como o próprio nome indica, a Cátedra incide na gestão e conservação do património cultural, assim como nos processos de planeamento e de projeto, com o objetivo de promover uma intervenção contemporânea qualificada nos recursos patrimoniais.
Trata-se não apenas da salvaguarda do património cultural, mas também de uma abordagem operativa na sua valorização e na construção de novos patrimónios, entendidos como vetor para o desenvolvimento sustentável das cidades, das paisagens e do território. Afirma-se, assim, o contributo da disciplina da Arquitetura como potenciadora de cooperação interdisciplinar e da integração entre salvaguarda e desenvolvimento, através de uma abordagem crítica e qualificada (no ensino, na investigação e na prática) à temática da intervenção contemporânea sobre o património construído.
Em linha com os objetivos para o desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU, a Cátedra propõe-se desenvolver práticas sustentadas na gestão e valorização do património cultural como um recurso para o desenvolvimento.
A Cátedra tem também como objetivo apoiar a gestão de novos processos de nomeação de sítios Património Mundial em Portugal e internacionalmente, nomeadamente no quadro da cooperação norte-sul, incluindo países com património de influência portuguesa (África, Ásia, América do Sul). O projeto pretende constituir-se como uma plataforma aberta à participação colaborativa e dinamizadora de redes de cooperação, em contexto nacional e internacional (ONGs, Instituições de Ensino Superior, organismos públicos e privados, rede de Cátedras UNESCO, entre outras).

Como se concretiza a ação da Cátedra na Universidade do Porto?
Esta Cátedra alinha-se com a estratégia da Universidade do Porto de diversificação da oferta formativa e consolidação de uma investigação científica de excelência, enquadradas em redes de colaboração nacional e internacional. Em simultâneo, vem dar continuidade à promoção de boas práticas de intervenção no património construído, desde logo reconhecível em obras de referência dos seus mestres, atualmente perpetuada - na pedagogia e na obra - pelos seus discípulos.
Entre um vasto conjunto de iniciativas, destaca-se a unidade de formação interdisciplinar ‘Património e Paisagem. Gestão, Análise, Projeto’, coordenada pela FAUP em colaboração com outras Unidades Orgânicas da Universidade do Porto (FLUP, FCUP, FEUP), assim como a organização de vários encontros de investigação e disseminação em parceria com a Comissão Nacional UNESCO, o ICOMOS-Portugal, Câmaras Municipais, Cátedras UNESCO e outras Unidades de I&D (CITCEM, CIBIO, CONSTRUCT, CES), entre outros.
Temos tido também alguns contratos de consultadoria e projetos, com Câmaras Municipais e outras entidades públicas, privadas, ou ONG, como a própria UNESCO.
As iniciativas desenvolvidas no âmbito desta Cátedra pretendem desempenhar um contributo relevante na ligação à sociedade, reforçando o papel do património enquanto construção social e intrinsecamente ligado à identificação, valorização e reconhecimento pelas comunidades.

O que diria às novas gerações de arquitetos que estão agora a iniciar a sua atividade?
Diria para terem diferentes experiências profissionais incluindo a vertente interdisciplinar, serem persistentes na persecução dos seus sonhos e interesses, e acreditarem na sua concretização. Diria também para não esquecerem que, acima de tudo, o arquiteto tem uma função social e deve dar uma resposta operativa, criativa, inclusiva e sustentável aos desafios societais e ambientais num quadro de crescente vulnerabilidade e incerteza à escala global.








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