Investigação em Design
O ensino e o estudo da arte oscilam entre a teoria e a prática. Qual(ais) considera ser(em) o(s) mais basilar(es) fundamento(s) numa primeira introdução ao design?
Numa primeira introdução ao design, é crucial não apenas compreender os princípios teóricos e as suas aplicações práticas, mas também reconhecer a interação do design com a sociedade, a cultura e a ética. É por isso fundamental integrar uma perspetiva sociocultural, considerando como o design impacta e é influenciado pelas necessidades e valores da sociedade. Desta forma, o estudante não apenas adquire a técnica, como também desenvolve uma consciência crítica das implicações do design no contexto social. Como exemplo, cito o recente trabalho da aluna do mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais da FBAUP, Juliana Pires, que oriento no âmbito duma parceria com o Pacto do Porto para o Clima. A Juliana desenhou uma campanha de comunicação que será lançada em 2024 na cidade do Porto. A campanha aborda o desafio da mudança de comportamentos, ou seja, visa motivar ações individuais, tornando simples, claros e atrativos comportamentos que podem ser adotados em prol da sustentabilidade.
Na sua opinião, o processo criativo é inteiramente orgânico ou, por outro lado, é possível treinar e tornar procedimental a inspiração?
Eu diria que o processo criativo surge da fusão entre uma inspiração informada e uma dedicação consistente. Tomando como analogia uma orquestra, quando se combina a inspiração com prática dedicada ao longo do tempo, essa sinergia pode culminar em realizações notáveis, em qualquer projeto ou trajetória pessoal.
Integrou a equipa de coordenação do Projeto Anti-Amnesia: Design research as an agent for narrative and material regeneration and reinvention of vanishing Portuguese manufacturing cultures and techniques. O artesanato português tradicional, como sejam azulejo, cestaria, tapeçaria, entre tantos outros, é hoje um nicho que se perde no ruído?
Eu diria que é um nicho crescente, felizmente! Este projeto é um exemplo de como a investigação em Design pode ser um agente para a reinvenção de narrativas e materiais, de culturas e técnicas de manufatura portuguesas com “pouco ruído”.
Através da compreensão da narrativa e do contexto material por detrás destas tradições, procuramos criar estratégias para preservar e reintroduzir essas práticas no cenário moderno. Um exemplo foi a colaboração entre os bordados de Almalaguês e a fábrica de sapatos Cortebel, em Cortegaça, que pode ser revisitado no website do projeto. Atualmente, no doutoramento em Design da FBAUP, temos vários projetos em curso que se ocupam do tema do artesanato português.
Que caminho traça a investigação, não só para manter viva a rica e secular herança cultural, mas mais diríamos, para a reinventar na contemporaneidade?
A investigação delineia um percurso de inovação, visando não apenas preservar a herança cultural, mas também redesenhá-la na contemporaneidade. Ao “ir buscar” as tradições culturais, o design procura compreender a essência e o contexto material subjacentes. Esta compreensão serve como base para a adaptação criativa dessas tradições aos desafios e dinâmicas da sociedade moderna. Como exemplo cito alguns dos projetos do doutoramento em Design da FBAUP que visam, através do design e sua metodologia, apresentar soluções em diversas áreas do saber.
O advento do digital, inevitável e irreversivelmente, imiscuiu-se no design, onde, particularmente a emergência da Inteligência Artificial, suscita muitas preocupações em matéria de originalidade e autoria. Muita da investigação que produz versa sobre a ética nesta área de estudo – na sua opinião, e em matéria de regulamentação e deontologia, o que é urgente pensar e prevenir?
Um dos meus interesses de investigação centra-se nas questões éticas levantadas pelas complexidades da globalização da imagem e na disseminação de "mentiras" visuais. Citando Susan Sontag, no livro seminal de 1977 "On Photography", a revelação de que a fotografia pode mentir impulsionou ainda mais a popularidade deste meio. A questão intrínseca da mentira na fotografia, que sempre existiu, assumiu novas dimensões com o avanço dos softwares de manipulação de imagem e, mais recentemente, com a ascensão da Inteligência Artificial. Em resposta à pergunta sobre como prevenir estas questões éticas, saliento que a prevenção deve iniciar-se no domínio educacional, tanto na formação inicial dos designers quanto na educação contínua para profissionais da área. É imperativo criar uma consciência robusta em relação à presença da Inteligência Artificial no design, destacando, de maneira proeminente, o papel essencial da ética nesse contexto. Ao criar um ambiente que valoriza a integridade visual e promove a responsabilidade ética, é possível mitigar os desafios éticos inerentes à evolução tecnológica, no campo do design.
Concluiu o seu doutoramento e pós-doutoramento na prestigiada Central Saint Martins, Universidade das Artes de Londres. Podemos recordar consigo o momento em que decidiu prosseguir estudos no Reino Unido e o que, de mais marcante, retira desta e outras experiências internacionais?
Em 1994 mudei-me para Inglaterra. Naquela época, a internet ainda não desempenhava o papel central que conhecemos hoje, e a minha exposição ao design gráfico internacional era limitada a livros, discos e revistas. No entanto, o fascínio pelo design britânico, expresso nesses artefactos, foi o catalisador da minha escolha por esse país. A mudança para o Reino Unido não representou apenas uma oportunidade educacional fantástica num College de excelência, mas foi também o início de uma experiência de vida muito rica. Mergulhei numa cultura diferente e num ambiente onde o design se manifestava de maneiras que transcendiam as páginas impressas. Essa vivência multicultural não apenas moldou a minha perspetiva pessoal, como influenciou profundamente as minhas atividades profissionais. Além disso, a experiência internacional proporcionou-me uma rede de contatos global.
Investiga e ensina, mas de que forma explora e extrapola a paixão pelo design, fora do meio académico?
Como exemplo refiro a mais recente incursão "fora do ambiente académico" que ocorreu no âmbito da exposição “The Dynamic Eye” da coleção de Optical e Kinetic Art da Tate Modern no Atkinson Museum, em Vila Nova de Gaia, que encerrou no passado novembro de 2023. A minha participação nesse contexto teve duas abordagens distintas: a realização de um workshop de interpretação digital das obras, com alunos do curso de Design, seguida da curadoria dos trabalhos, e ainda um exercício em nome próprio de interpretação digital de uma obra. O workshop, realizado em colaboração com três professores (Cláudia Lima, Rodrigo Carvalho e Eliana Penedos-Santiago), foi o desenvolvimento, com estudantes de 3 instituições (FBAUP, Universidade Lusófona e ESAP), de interpretações digitais das obras da coleção que estiveram em exibição no perímetro da exposição. A iniciativa tinha a dupla finalidade de estabelecer uma conexão com a geração nativa digital e, simultaneamente, servir como uma ponte para o serviço educacional das escolas secundárias do Museu. A segunda vertente da minha participação consistiu na criação de uma interpretação digital inspirada na obra "Sphere Bleu" de Julio Le Parc (2001), também incluída na mostras.
Poderá consultar mais informações sobre a investigadora aqui.