Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Verónica Orvalho
Instituto de Telecomunicações - Porto (IT - Porto) / Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)

Fundadora da spin-off Didimo


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e de como surgiu o seu interesse pela investigação em realidade virtual.
Quando estava a fazer o meu doutoramento na Universitat Politècnica de Catalunya, fui convidada a dar uma palestra na Universidade do Porto sobre digital characters, ou seja, criação automática de personagens 3D – o meu tema de doutoramento. O auditório encheu, e toda a experiência foi fascinante. Após esse momento, fui influenciada por colegas a candidatar-me a um lugar na Faculdade de Ciências, e a verdade é que o timing era perfeito, pois estava prestes a acabar o doutoramento, e tinha uma porta aberta à criação de uma equipa de investigação. É curioso porque, na altura, eu tinha um convite também em Barcelona e, portanto, juntei estes dois projetos, e o resultado final foi um laboratório de investigação montado em conjunto com outros 14 parceiros europeus. Foi daqui que o interesse na realidade virtual surgiu. Na altura, estava a explorar a criação de personagens 3D para a indústria do cinema e dos jogos. O objetivo passava por utilizar esta tecnologia para a criação de experiências virtuais imersivas na área da saúde, de forma a perceber como é que podíamos aumentar o nível de empatia nas pessoas que, por quaisquer motivos, estavam imobilizadas. No fundo, a ideia era reativar zonas do cérebro, através da realidade virtual, que permitissem dar experiências únicas a estas pessoas. Ver o impacto da tecnologia nas suas vidas foi incrível.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Sim. Aliás, consigo pensar em quatro. O primeiro foi quando tudo começou - o início da minha carreira. Comecei a trabalhar na IBM, na área de engenharia, ainda antes de entrar na faculdade. Tinha 18 anos e foi uma experiência que me mudou completamente e me fez olhar para o mundo profissional com um mindset muito diferente. Houve pessoas que acreditaram em mim e nas minhas capacidades e, isso, nunca irei esquecer. O segundo marco foi o reconhecimento do Prémio Científico IBM, já aqui em Portugal. Na altura, era o José Mariano Gago que ocupava o lugar de Ministro da Ciência e Tecnologia, e foi ele que me deu o prémio. Foi um marco não só pelo reconhecimento, mas também por ele me ter dito que a tecnologia que eu tinha desenvolvido tinha muito potencial e teria um impacto positivo na vida das pessoas, uma vez que a utilização de Humanos Digitais poderia, entre outras coisas, dar uma voz e um rosto a todos os que têm limitações físicas – e, de facto, passado 10 anos, pude ver o seu impacto. O terceiro marco foi a nomeação para o EU Prize for Women Innovators, que foi o culminar de tudo, no fundo. Do começo da carreira aos 18 anos, do projeto de investigação, da Didimo… tudo. Por último, não podia deixar de referir um marco que, na verdade, me acompanha todos os dias: o impacto positivo da tecnologia. Posso relembrar o projeto LIFEisGAME, em 2011, que me permitiu ver, em 1º mão, o resultado da tecnologia - que estava inicialmente associada ao cinema -, na vida de uma criança. Agora, passados 10 anos, as repercussões já são globais. Ou seja, os projetos de investigação têm estes ciclos de 7-10 anos, e nós temos de ir acreditando na ideia e continuar a trabalhar. No fim, acabamos por ver as coisas boas.

Para si, enquanto investigadora, o que simboliza ter conquistado o Women Startup Challenge (2017) e, mais recentemente, ter estado nomeada entre as 21 mulheres mais inovadoras da União Europeia pelo EU Prize for Women Innovators?
Em poucas palavras, dá-me força para seguir. Ajuda-me a perceber que, de facto, aquilo que faço está realmente a ter um impacto positivo na sociedade. Eu acho que nós acreditamos, e queremos acreditar sempre, que podemos mudar o mundo, e vamos trabalhando e lutando por isso. Mas sem os reconhecimentos, nunca sabemos realmente. Acaba por ser um bom impulso, e eu espero que possa inspirar outras jovens e mulheres adultas a acreditar que, com coragem e determinação, tudo é possível.

Fale-nos um pouco da spin-off Didimo. Como surgiu a ideia, o nome, e qual a sua missão e objetivos?
A Didimo é o resultado de 14 anos de investigação na área da criação de personagens virtuais, e tem como objetivo a automatização da geração de digital humans de alta-fidelidade. Num mundo gradualmente mais digital, as relações humanas podem ir-se perdendo. Nós queremos combater isso, e há aqui uma grande oportunidade de, mesmo longe, nos irmos conectando uns aos outros, cada vez mais - a internet traz-nos esse poder. Assim, o nosso objetivo é derrubar as barreiras entre o mundo real e o mundo virtual, através de relações autênticas, especialmente com base naquilo mais real que conhecemos: a nossa cara. «Didimo» tem origem grega e significa “gémeo”. Este nome mostra precisamente aquilo que queremos: que o nosso self do mundo real seja o mesmo que aquele do mundo digital.

A Didimo tem provado ser um enorme sucesso ainda em crescimento. Como fundadora, que objetivos tem traçados para o futuro desta spin-off?
Que todas as pessoas possam ter a sua representação, a identidade mais autêntica de todas, em experiências imersivas de realidade virtual. Em última instância, o que eu gostava mesmo é que esta tecnologia fosse utilizada na educação, como uma ferramenta para ajudar as pessoas a conectarem-se, através da internet, levando a educação a todas as partes do mundo - especialmente às mais isoladas.

No seu currículo, conta com mais 18 anos de investigação em computação gráfica e animação facial. Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido, no seu grupo de investigação e no Instituto de Telecomunicações – IT-Porto, e nesta e em temáticas aproximadas, e de que forma estes se complementam?
Ter montado o grupo de investigação no IT-Porto foi uma experiência muito interessante, por todo o apoio (financeiro, logístico, e até emocional) que recebi. Gostava de aproveitar esta oportunidade para agradecer profundamente ao Professor Carlos Salema por todo o apoio e por ser uma inspiração constante. Criar um laboratório de investigação não implica pensar apenas na tecnologia que estamos a explorar. É muito mais do que isso. Temos de pensar também nas pessoas que temos ao nosso lado e em qual a melhor maneira de as formar – e o desafio está, também, aí. No final de cada dia, a minha maior responsabilidade é a de ajudar os meus alunos a abrir portas para os seus futuros e a encontrar o seu propósito na vida. A tecnologia que abordamos é mesmo difícil de estudar e, por isso, precisamos de (muitas) pessoas com as competências necessárias para desenvolver todo um pipeline de animação. O facto de termos criado um projeto com cerca de 20 pessoas no laboratório permitiu alocar melhor os recursos – materiais e humanos -, o que ajudou cada um de nós a especializar-se nas distintas áreas necessárias, para depois criar a spin-off. No fundo, o IT e a Universidade do Porto foram a origem da tecnologia da Didimo e, hoje, olhar para os ex-alunos que fizeram parte do caminho, e ver que eles estão em cargos muito bons, a atingir os seus objetivos e a ter impacto, enche-me de orgulho.

O mundo pós-pandemia será mais digital e, ao mesmo tempo, mais humano. Que desafios ou oportunidades considera que a aceleração digital impulsionada pela pandemia trouxe, neste novo normal?
Acho que a própria adaptação ao “novo normal”, que já não é tão novo assim, com tudo aquilo que ele traz - como trabalho remoto, por exemplo -, é um desafio per se, bem como criar um equilíbrio entre o presencial e o online. Depois, a questão de manter a autenticidade no digital, ou seja, conseguirmos representarmo-nos a nós próprios, é também algo crucial a atingir, e a Didimo tem estudado as melhores formas de o fazer, ao longo de todos estes anos. Em termos de oportunidades, acho que o nosso mundo já não é só a nossa casa, a nossa cidade, e o nosso país. É muito mais do que isso, é o mundo inteiro. Rapidamente conseguimos ter acesso a culturas diferentes e aprender coisas novas diariamente, o que, noutras circunstâncias, não seria possível. Um bom exemplo disto é o facto de vermos como alguns países desenvolvidos poderiam ter ajudado a resolver problemas locais, em localizações menos desenvolvidas, apenas através da partilha de informações. Eu diria que, acima de tudo, é necessário ser muito open-minded. Caso contrário, a adaptação será difícil. E a pergunta que paira no ar é mesmo essa: será que nos conseguimos adaptar tão rapidamente à mudança?

No seu currículo, conta com a participação em projetos. O que é mais e menos valorizado, pela sua experiência, nos projetos da sua área científica?
Acredito que aquilo que é mais valorizado é a inovação tecnológica, em si, e o impacto que ela pode trazer. Ou seja, a combinação entre a criação de novas áreas, ou indústrias, e as consequências positivas que daí advêm. Sobre aquilo que é menos valorizado, confesso que tenho alguma dificuldade em responder a isso. Sou muito otimista! Mas penso que se podia reconhecer mais o impacto efetivo que cada inovação, cada projeto, cada trabalho, tem na sociedade. E, para isto, é importante fomentar a curiosidade dos alunos desde o seu primeiro dia de aulas. Explicar-lhes as oportunidades que existem, dar-lhes a conhecer um novo mindset, aproximá-los do seu futuro e ajudar no processo de transição de conhecimento da academia para a indústria, o que, por vezes, é muito moroso, ou mesmo esquecido, devido à falta de recursos.

Que apreciação faz do panorama científico português, na sua área de investigação?
Acho que a área da computação gráfica, especialmente nesta vertente de construção de humanos digitais e modelos de interação, está em crescimento. Há imenso potencial nos novos alunos que entram na faculdade. É muito interessante ver a sua vontade em procurar disciplinas de novas áreas, conhecer coisas novas. Penso que é esta interdisciplinaridade que vai permitir impulsionar a computação gráfica, a inteligência artificial, e tantas outras dimensões.  

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
Formar mais pessoas. Investir na formação diretamente ligada à capacitação para a indústria. O investimento na capacitação e as empresas - as indústrias de que falo -, têm de andar de mãos-dadas, sempre. Só assim é que iremos conseguir aumentar a inovação tecnológica, aliando-a à investigação científica, e aplicando-a no mundo, da forma mais rápida possível. Por isso, acho que os esforços têm de ser feitos no sentido de se reduzir o tempo que se espera entre o desenvolvimento de uma nova tecnologia e o momento em que ela é aplicada. E, para isso, temos de capacitar as pessoas e fazê-las perceber o seu potencial.




Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.

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