É com grande preocupação que assistimos à crónica dificuldade e incontáveis obstáculos à conciliação da atividade assistencial com a investigação clínica, que tem como consequência uma enorme frustração e desmotivação de quem tenta percorrer este caminho e penaliza seriamente o impacto e ganho que pode advir da investigação clínica. Estas dificuldades e obstáculos vão desde a ausência de financiamento à impossibilidade de conciliação da atividade assistencial com a atividade de investigação.
O subfinanciamento público crónico e a ausência de um organismo com capacidade para avaliar e dar resposta a propostas de investigação clínica de forma célere são problemas que requerem intervenção urgente. Claramente, nos moldes atuais a Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT) não está preparada para financiar nem ajudar à implementação de projetos clínicos, quando simultaneamente tem de avaliar e dar resposta a projetos de ciência básica e translacional de todas as áreas do conhecimento. A investigação clínica requer avaliadores com experiência em ensaios clínicos e investigação em humanos, modelos de financiamento adequados e diminuição da burocracia para que a implementação dos projetos não fique atrasada e à espera de resposta durante, no mínimo, 12 a 18 meses.
A Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB) poderia funcionar como entidade independente de financiamento, avaliação, apoio e coordenação de estudos clínicos, mas, atualmente, o papel da AICIB parece limitar-se a divulgar escassas oportunidades de financiamento, claramente insuficientes para realizar um ensaio clínico, por exemplo.
Os Centros Académicos Clínicos (CAC) deveriam integrar atividade assistencial, ensino, investigação e inovação clínica, funcionando em rede para apoiar e conectar investigadores clínicos de todo o país, apoiando projetos multicêntricos, de grande impacto clínico e com ligações internacionais. No entanto, nos moldes atuais os CAC estão longe de cumprir qualquer destes pressupostos.
Para se fazer investigação e inovação clínica de qualidade, visando mudar a prática clínica independentemente de interesses privados, é necessário financiamento público adequado e processos que facilitem a cooperação interinstitucional e a criação de redes colaborativas para que os projetos sejam implementados de forma célere e possam dar resposta a questões de pertinência clínica.
O financiamento público de investigação clínica é a única forma de melhorar o prognóstico dos nossos doentes de forma independente da indústria farmacêutica, através de ensaios clínicos da iniciativa do investigador e estudos epidemiológicos que ajudem a responder a questões clínicas que levem a um melhor conhecimento das características, prognóstico e tratamento dos doentes. Estes estudos são diferentes dos estudos promovidos pela indústria, pois, sendo da “iniciativa do investigador”, requerem apoio e autonomia suficientes para que a sua implementação seja atempada e não se veja enredada em processos burocráticos intermináveis.
Infelizmente, Portugal nunca colocou a investigação clínica como prioridade. A quase totalidade da evidência gerada para tratar os nossos doentes é importada de outros países. Não conseguimos encontrar nenhum exemplo de um estudo português de investigação clínica com financiamento público que tenha influenciado significativamente a prática clínica.
É urgente, por isso, mudar o paradigma da investigação clínica em Portugal. Em nossa opinião, é fundamental a abertura de concursos especificamente destinados para a investigação clínica. Propomos um modelo semelhante ao modelo francês Programme Hospitalier de Recherche Clinique (PHRC) que financia projetos clínicos (habitualmente com orçamentos de cerca de 1.000.000€ por projeto) com o intuito de melhorar a prática clínica e promover a cooperação entre os hospitais públicos e pequenas-médias empresas.
Portugal poderia facilmente adotar uma estratégia semelhante. Os ganhos potenciais seriam enormes (e não apenas financeiros), incluindo não só todos os associados à inovação em produtos, equipamentos e dispositivos médicos, mas também os relacionados com a redução de hospitalizações e mortalidade e ainda com a promoção da projeção científica portuguesa e consequente atração de investimento estrangeiro.
Os autores deste documento solicitam, assim, a criação urgente de um programa robusto de investigação clínica em Portugal, que poderá advir de uma reestruturação profunda das estruturas existentes ou da criação de novas estruturas. Neste contexto, estamos e estaremos completamente disponíveis e profundamente empenhados em promover um debate sério sobre esta matéria, nomeadamente junto de interlocutores da esfera legislativa e/ou governamental, de modo a que se venha a realizar a devida mudança do atual paradigma. A bem da Saúde dos Portugueses!
João Pedro Ferreira
Investigador Auxiliar
Adelino Leite-Moreira
Professor Catedrático
Diretor do Departamento de Cirurgia e Fisiologia
Altamiro da Costa Pereira
Diretor da FMUP