Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
António Magalhães
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FPCEUP) / Centro de Investigação de Políticas de Ensino Superior (CIPES)

Percurso de investigação na área de Políticas Educativas


Retrospetivamente, fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e o que levou a escolher a área das ciências da educação, e das políticas educativas em particular, como área de estudo e profissão.
Licenciei-me em Filosofia na Universidade do Porto. Os meus interesses pelos fenómenos sociais ligados à educação levaram-me a frequentar o mestrado em ciências da educação na FPCEUP. Entrei aí, como assistente, e iniciei uma colaboração muita estreita com Stephen Stoer, meu orientador. Desde logo, a análise sociológica das políticas da educação se instituíram como um interesse central. No final dos anos 1990, a convite de Alberto Amaral, fiz parte do núcleo fundador do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), onde hoje sou membro da direção. Fiz o doutoramento na Universidade de Twente, Países Baixos, no Center for Higher Education Policy Studies (CHEPS). Desde então, fui desenvolvendo a minha carreira, investigando nessa área e ensinando, em todos os ciclos de estudo, aquilo que investigava. Hoje, os meus interesses de investigação permanecem centrados na sociologia da educação e na análise das políticas educativas, com ênfase nas relações entre o estado, o sistema europeu e nacional de governação e as instituições de educação, particularmente no campo do ensino superior.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Sem dúvida que o meu encontro com Stephen Stoer, um dos principais dinamizadores da sociologia da educação em Portugal, constituiu um marco central na minha carreira académica. Com ele e com a equipa que ele coordenava na FPCEUP e no CIIE, de que foi um dos fundadores, tive a oportunidade de construir quadros teórico-metodológicos que são ainda hoje um referencial da minha atividade enquanto investigador e como professor. O segundo momento que destaco foi a minha entrada para o CIPES, onde, como investigador e, mais tarde, como coordenador de investigação, tive ocasião de desenvolver a análise de políticas do ensino superior ao nível nacional, europeu e global e os seus efeitos nas IES e no próprio conceito de educação superior.

Como coordenador da linha de investigação Políticas ao Nível do Sistema (PNS), no CIPES, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver, e quais considera serem os maiores desafios para 2022?
A nossa investigação sobre a interação entre os desenvolvimentos das políticas do Ensino Superior ao nível supranacional, nacional e institucional, tem vindo a identificar as mudanças na governação, na gestão e na vida interna das IES, que estão a reconfigurar a própria identidade da educação superior. O mandato político centrado no contributo do ensino superior para o desenvolvimento económico e na formação de profissionais para a sociedade e economia do conhecimento tem vindo a ter impactos incontornáveis na conceção e criação da oferta educativa, assim como no desenho e escopo da investigação. Sendo importante esta ênfase na inovação e na relevância económica e social do conhecimento, a dimensão propriamente educativa do ensino superior não pode ser descurada. E este desafio, parece-me, coloca-se para além deste ano de 2022.

Olhando para Portugal, que apreciação faz sobre o passado, o presente e o futuro do ensino superior? Se assiste na era digital a promoção do autodidatismo no processo de ensino e aprendizagem?
Em Portugal, ao mesmo tempo que estamos a procurar responder aos desafios sociais e económicos colocados ao ensino superior, estamos a gerir a tensão entre a sua massificação e democratização. Hoje temos uma participação significativa da coorte de idade dos jovens entre os 18 e os 24 anos neste nível de ensino, e temo-lo conseguido num sistema binário, público e privado. A questão com que nos confrontamos é a de saber se a gestão política desta massificação, designadamente através da diversificação institucional e da oferta educativa, cumpre também os objetivos ligados à sua democratização e dá resposta à necessidade de uma efetiva igualdade de oportunidades. Quanto à questão da digitalização, a transformação dos materiais, métodos e técnicas de apoio aos processos educativos em linguagem digital é considerada, por alguns, uma viragem na história da educação. Porém, é visível a tendência para a integração algo acrítica do digital nos atuais processos e estruturas, sobretudo os do ensinar e aprender, em detrimento da reflexão sobre como os desafios da digitalização nos interpelam e como podem ser reimaginados no ensino superior e como educação superior. É urgente promover a reflexão sobre esta problemática.

Fez parte dos peritos da Edulog. Fale-nos um pouco dos estudos que têm realizado. Há conclusões que o surpreendem?
Fui investigador, como membro do CIPES, do projeto ATENA: Saber para Intervir: Observatório da Educação, promovido pelo ThinK Tank Edulog, que tinha como objetivos definir e sistematizar um conjunto de indicadores que permitissem conhecer a situação, tendências de evolução e principais dinâmicas da educação em Portugal. Daí resultou o EDUSTAT- Observatório da Educação, que é um importante instrumento de apoio à investigação e às decisões políticas em educação, e de informação ao público em geral. É, de facto, uma ferramenta que permite analisar e intervir de forma fundamentada nos processos de democratização da educação. Participei, também, em 2016, como investigador, no estudo do Edulog sobre o Valor Atribuído pelos Portugueses à Educação, tendo organizado a publicação onde os resultados desse estudo foram analisados e discutidos. Essa publicação, “Que Perceções têm os portugueses sobre o valor da educação?”, veio evidenciar como a educação é central nos percursos dos indivíduos e no desenvolvimento social, assim como os pontos críticos em que se torna necessário intervir, em termos de prioridades políticas a estabelecer e a desenvolver, em termos nacionais, regionais e mesmo das famílias.

No seu currículo, é longa a lista de projetos em que esteve envolvido. Qual acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
Em primeiro lugar, a elaboração, numa combinação nem sempre fácil, de propostas de investigação relevantes em termos académicos e em linha com as prioridades estabelecidas pelas entidades financiadoras. Simultaneamente, parece-me crucial que as propostas sejam sustentadas em redes de centros e de investigadores/as com credenciais na construção do conhecimento na área em causa. É, assim, crucial para o sucesso no financiamento uma gestão equilibrada entre as agendas de investigação e linhas orientadoras das entidades financiadoras.

Fale-nos um pouco do projeto Erasmus+ COSI EDU, em que é investigador. O que é que as desigualdades sociais e educativas trazem às políticas de governação das instituições de ensino?
Sou investigador, como colaborador do CIIE, neste projeto que visa potenciar ‘boas práticas’ para apoiar os/as alunos/as provenientes de grupos em desvantagem social. A equipa de investigação, em articulação com parceiros internacionais, pretende desenvolver perspetivas sobre a educação inclusiva ao nível europeu, nacional, regional e local, com vista a apoiar decisões políticas direcionadas a grupos que, pela sua situação de desvantagem social, têm vindo a ser excluídos da educação formal. A razão do meu envolvimento, prende-se, precisamente, com a assunção de que a governação do sistema e das instituições educativos deve promover o acesso e o sucesso educativos para todos, essenciais para uma efetiva inclusão social. O projeto é um contributo para esse fim.

Na sua opinião, a avaliação feita pela A3ES tem contribuído para a melhoria das instituições de ensino superior?
Sim, a criação e atividade da agência foram e são uma forma de o sistema de ensino superior garantir a qualidade de formação. Se, por um lado, e em última análise, a sua ação pode restringir alguma autonomia pedagógica das instituições, por outro, tem a potencialidade de garantir que os ciclos de estudo possuem os recursos e as condições científicas e pedagógicas para o desenvolvimento de formação de qualidade. Concluída a primeira fase de avaliação dos ciclos de estudo, foi importante também o desencadear, por parte da A3Es, do processo de avaliação institucional. com vista a promover uma cultura interna de garantia da qualidade. É, de facto, fundamental que esta cultura seja desenvolvida e monitorizada pelas próprias IES. para que a avaliação não se torne num mero exercício imposto e burocrático.

Dado o contexto atual em que vivemos, e após anos letivos atípicos devido à pandemia COVID-19, que impacto pensa que esta deixará no ensino? A pandemia transformou o paradigma da educação? Que tipo de ensino teremos nos próximos anos?
A discussão acerca da especificidade educativa da educação superior já era urgente antes da crise pandémica, esta apenas acelerou essa urgência. Se a migração de partes do ensinar e do aprender para o mundo virtual possui potenciais vantagens, é fundamental também debater como é que os curricula a poderão integrar nas experiências educativas dos professores e estudantes, de forma crítica e inclusiva.
É importante que as relações pedagógicas face a face não sejam subestimadas, como acessórias, e que a questão da perpetuação das desigualdades no acesso e o sucesso na educação superior não seja secundarizada. De facto, os estudantes do ensino superior de grupos sociais economicamente mais frágeis foram os que mais sofreram o impacto da crise pandémica. Estes grupos foram desproporcionalmente afetados, designadamente em termos de perdas de aprendizagem. O que está em causa é a promoção de ambientes de aprendizagem que desenvolvam o potencial dos estudantes para o envolvimento crítico, para a participação e para a reflexão na era do digital. Entre o discurso tecnofóbico e o da celebração acrítica da digitalização, o desafio é o de reconcetualizar os processos de formação e até de governação das instituições de ensino superior, tendo em vista a sua integridade e a sua democraticidade.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
Em primeiro lugar, constato a necessidade de construção e consolidação de uma estratégia nacional consistente para a investigação, servida por regras claras e estáveis, para promover a produção e disseminação do conhecimento, não só na área das ciências sociais, como em todas as áreas científicas. Depois, parece-me importante dar solidez à estrutura do próprio sistema de investigação em Portugal. Se é verdade que a despesa total em I&D tem vindo a aumentar, na procura de convergência com a Europa, também o é que há problemas cruciais com que é urgente lidar. É preocupante o facto de o sistema científico nacional ser suportado em parte significativa por investigadores com vínculos laborais precários. O aumento do investimento na investigação científica deve ser acompanhado por uma reconfiguração dos vínculos laborais e da carreira dos/as investigadores/as. Valorizar a ciência pressupõe dar estabilidade e segurança profissional àqueles/as que a produzem e disseminam.




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