Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Rita Faria
Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP)  Escola de Criminologia  / Centro de Investigação Interdisciplinar sobre Crime, Justiça e Segurança (CJS)

Percurso de investigação em research misconduct, crimes económicos e especialização no uso de metodologias qualitativas em Criminologia


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o que a levou a escolher a Criminologia como área de estudo e profissão.
Comecei os meus estudos na licenciatura em Direito na FDUP, em 1997. À época não existia ainda uma licenciatura em Criminologia e vim a tomar contacto com esta área do conhecimento no meu último ano do curso de Direito, através da Unidade Curricular (UC) de Criminologia, ministrada pelo Sr. Prof. Cândido da Agra e pela Mestre Josefina Castro. Recordo-me bem que, pouco depois das aulas começarem, fui falar com a docente da UC perguntando se podia colaborar de alguma maneira com a Escola de Criminologia e com a investigação que ali se fazia. A UC de Criminologia trouxe-me a vertente empírica sobre o comportamento humano e sobre os fenómenos sociais que o Direito, naturalmente, não tinha, e que me interessava muito. Quando terminei a licenciatura, e depois de fazer o meu estágio para a Ordem dos Advogados, surgiu a oportunidade de trabalhar na Escola de Criminologia e não hesitei: desisti de uma carreira na advocacia para ir trabalhar para a Escola, ainda que fosse apenas no apoio à investigação e no secretariado do departamento. Em 2009 terminei o Mestrado em Sociologia, na FLUP, que me deu as bases empíricas para uma carreira de investigação e, no ano seguinte, 2010, inscrevi-me no Doutoramento em Criminologia. Durante todo o período do doutoramento trabalhei como Assistente Convidada na FDUP a lecionar algumas UCs para a recém-criada licenciatura em Criminologia na FDUP – a primeira no país. O meu interesse pela Criminologia pode ser explicado por duas razões. A primeira deve-se ao meu espírito inquisitivo sobre os fenómenos sociais e o comportamento humano. A Criminologia é uma área fascinante pela sua amplitude, já que pode estudar, de modo integrado e crítico, objetos tão complexos como as variadíssimas formas de crime e de desvio (do consumo de substâncias ilícitas ao terrorismo, da delinquência juvenil à corrupção), ou a vitimação; pode fazer análises críticas do funcionamento do sistema de justiça, debruçar-se sobre as causas da criminalidade (indo desde explicações de tipo individual, como fatores de personalidade dos ofensores, a causas estruturais, como as desigualdades sociais sistémicas e a globalização). A segunda razão por ter escolhido esta área foi por ter sido bem recebida e integrada na Escola de Criminologia, onde fui sempre incentivada a participar ativamente em variadíssimas tarefas (p. ex. em conferências e reuniões de trabalho) e a continuar a minha formação. De facto, foi na Escola de Criminologia que percebi que o Doutoramento poderia ser uma possibilidade, já que na minha família próxima não havia ninguém Doutorado e, portanto, até aí, não sabia em que consistia um Doutoramento e que portas poderia abrir em termos profissionais.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
O primeiro será, sem dúvida, o facto de ter sido a primeira mulher Doutorada em Criminologia no nosso país. A obtenção do Doutoramento, por si só, já foi muito relevante, mas o facto de ter sido a primeira mulher, numa área científica ainda a implementar-se no nosso país, é motivo de grande satisfação pessoal. Durante o Doutoramento sempre soube que “a porta” da Criminologia era “estreita”, ou seja, que não havia muitas hipóteses de emprego no Ensino Superior, em Portugal, quer por causa da novidade da área, quer por causa da precariedade inerente ao início da carreira docente e de investigação no nosso país. A obtenção do Doutoramento e posterior contratação como Profª Auxiliar na FDUP, berço da Criminologia contemporânea em Portugal, foi um marco, sem dúvida, na minha carreira. O outro será o de, recentemente, ter sido eleita Diretora do CJS – Centro de Investigação Interdisciplinar sobre Crime, Justiça e Segurança, com o mandato de submeter o centro ao processo de financiamento plurianual das Unidades de I&D pela FCT. É uma grande responsabilidade, é um processo que consome muito tempo e energia (quer a mim quer aos/às restantes colegas do CJS), mas que pode trazer frutos muito valiosos para o desenvolvimento da Criminologia científica no futuro próximo, para apoiar a formação de investigadores juniores e para internacionalizar mais ainda o contributo de investigadores/as portugueses/as neste domínio científico. De qualquer dos modos, é um grande marco estar responsável pelo CJS, pela organização e execução das suas atividades, pela divulgação do centro e das suas atividades, quer dentro, quer fora de portas. Por ajudar a pensar e a criar, no fundo, o que será a Criminologia portuguesa no futuro, sem esquecer o seu âmbito internacional. Finalmente, não posso deixar de referir a construção de uma rede internacional com colegas em outras universidades, dos mais variados lugares do mundo. Isto não aconteceu num dia, mas ao longo dos anos tenho tido a possibilidade de conhecer gente brilhante, extremamente capaz, provenientes de diferentes países e com quem tenho estabelecido relações de cooperação e partilha (e também de amizade!), e que muito me auxiliaram a crescer e a acreditar nas minhas capacidades. Desde colegas que me deram dicas sobre como submeter a uma editora internacional a proposta para o livro com os resultados do meu Doutoramento, à variedade de colegas que me incentivaram a continuar mesmo numa fase mais complicada de maior precariedade laboral, a colegas que me chamam para trabalhar em candidaturas de projetos internacionais em tópicos inovadores ou aos colegas com quem partilho a direção de grupos da Sociedade Europeia de Criminologia. Não posso nunca deixar de sublinhar a generosidade que tenho encontrado nos/nas colegas, sejam juniores ou seniores, e a forma como, na relação particular com outras investigadoras, tenho beneficiado de um ambiente de apoio e de mentoria.

Sabemos que uma das suas maiores áreas de interesse na investigação, que engloba uma problemática aparentemente mais complexa do que se acredita, é a research misconduct, ou comportamentos e situações problemáticas na investigação científica e no ensino superior. Quer falar-nos um pouco sobre a pertinência/iminência do tema na atualidade?
A curiosidade pelo tema vinha já do meu orientador do Doutoramento, o Sr. Prof. Cândido da Agra, que sugeriu estudar o conjunto de comportamentos desonestos realizados por investigadores/as no decurso das suas carreiras. Mas praticamente não havia dados empíricos sobre o fenómeno. Havia muito “diz que disse”, alguns escândalos, conversas de corredor sobre plágios, conflitos de interesse ou casos internacionais de cientistas que haviam manipulado ou inventado dados. Creio que, hoje em dia, o interesse é bem maior depois de casos como o de Diederik Stapel, na Holanda, ou por causa da chamada crise da replicação na psicologia e outras áreas científicas. No meu trabalho de Doutoramento, o que percebi é que tendem a existir lacunas na regulação sobre o que é certo ou errado fazer como profissional. Há muitas áreas cinzentas que os indivíduos não sabem como valorar, como sucede com as Questionable Research Practices, e para as quais não existem soluções muito claras. Além do mais, a ciência atual (ao menos nos países ocidentais modernos) caracteriza-se pela grande pressão para publicar, elevada competição por fundos e financiamentos, o uso constante de métricas para avaliação do trabalho científico e do seu impacto, a privatização da ciência e condições laborais cada vez mais precárias (veja-se o que se passa atualmente em determinadas universidades no Reino Unido, com colegas a fazer greve há várias semanas em virtude de cortes profundos nas pensões). Ora, estas condições (a ausências de regras claras e a enorme competição por recompensas – publicações e financiamentos) podem criar a tempestade perfeita para que profissionais, nesta como noutras áreas, se adaptem a um jogo que tem regras injustas e essa adaptação pode passar pela criação de modos “flexíveis” para se ter mais publicações (p. ex. usando revistas predatórias sem peer review) ou aumentar as probabilidades de obter financiamento (p. ex. com dados manipulados para confirmar hipóteses). No fundo, o trabalho que fiz sobre a research misconduct de uma perspetiva criminológica, como crime ou desvio realizado por profissionais a trabalhar em instituições legítimas, mas que podem promover climas de tolerância a alguns tipos de desvios profissionais, mostra de que modo a ciência não tem mecanismos naturais de se corrigir a si própria, que a fraude e o desvio podem ser manifestações mais profundas de um sistema eivado de injustiças e desigualdades e que o/as cientistas são tão humanos como qualquer outra pessoa e podem, por vezes, causar danos quando desrespeitam a integridade científica ou a conduta responsável na investigação.

O projeto CRITCOR - Corruption risk, risk of corruption? Distinguishing criteria between petty and high-ranking corruption, no qual participa como investigadora, pretende reunir e disseminar conhecimento sobre a corrupção, de forma a que essa informação possa ser efetivamente utilizada por profissionais teóricos e práticos. Pode falar-nos um pouco sobre os objetivos e resultados do projeto, já que este se encontra na sua fase final?
O grande objetivo do projeto foi o de ajudar cientistas e profissionais, incluindo aqueles que trabalham no âmbito do sistema de justiça, a perceber se há forma de distinguir (e se tal distinção é pertinente) entre pequena e grande corrupção, no pressuposto de que podem implicar diferentes formas de atuação por parte dos infratores e, por isso, exigir mecanismos legais diferenciados na sua prevenção e combate pelos Estados. Tentou-se fazer uma abordagem comparativa através da experiência dos participantes quanto a práticas judiciais de investigação e julgamento, quanto aos tipos legais existentes (ou seja, o que a lei entende ser ou não ser corrupção) e mesmo quanto às práticas socais, culturais e económicas que podem favorecer ou prevenir a corrupção. O projeto teve inclusive o apoio do OLAF - European Anti Fraud Office. Um dos resultados foi a criação de um toolkit para profissionais que ajuda a identificar os vários tipos de corrupção (quer a de tipo mais individual e isolada, facilitada pelas oportunidades de mercado, quer práticas corruptivas envolvendo diferentes organizações em conluio, quer formas sistémicas e permanentes de corrupção) e providenciar a existência de recursos e mecanismos “ótimos” que os Estados possam usar para a investigação judicial destes casos. As publicações que foram surgindo do projeto podem ser encontradas aqui: https://critcor.okri.hu/index.php/research/publications. Foi um projeto de duração breve, mas muito intenso, e com contou com uma grande proximidade entre investigadores e profissionais dos sistemas de justiça criminal em diferentes Estados.

Foi membro da Comissão de Ética e Conduta Responsável na Investigação do i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde). Qual é para si a pertinência e necessidade desta comissão no âmbito das universidades e institutos de investigação?
Ser membro da CECRI foi, para mim, uma experiência fantástica que, infelizmente, tive que deixar recentemente em virtude de outros compromissos profissionais importantes para com a FDUP e com a Escola de Criminologia. A CECRI foi criada pelo Prof. Mário Barbosa para promover um ambiente organizacional de ética e de integridade, para mostrar à comunidade científica do i3S que a ética e a conduta responsável na investigação não são apenas um problema de cada investigador/a individual, mas que a própria instituição está ativamente envolvida em promover aqueles valores. Além do mais, a CECRI é composta por alguns membros que não são do i3S, o que revela uma grande abertura da instituição à expertise de pessoas externas. Nesse sentido, creio que é um exemplo a seguir noutras UOs ou instituições de investigação que pretendam ter investigação de excelência, mas feita de modo ético e responsável. A U.Porto também tem uma comissão de ética e, hoje em dia, várias UOs têm as suas próprias comissões de ética – mas os esforços para a promoção de conduta responsável, para uma investigação íntegra, são, parece-me, mais limitados. Pessoalmente, foi muito gratificante poder ter a possibilidade de apoiar o i3S com o conhecimento especializado que obtive no meu doutoramento sobre a research misconduct, formas de a identificar e prevenir e, nesse sentido, foi muito positivo pois pude devolver à comunidade científica as competências que desenvolvi quer com o meu doutoramento, quer com investigações ulteriores que fiz sobre o mesmo tópico. Guardo muito carinho pelo/as colegas com quem trabalhei naquela comissão, bem como pelos Professores Mário Barbosa e Claudio Sunkel, os dois diretores do i3S que tive oportunidade de conhecer. Acho, sinceramente, que a CECRI é exemplo pleno de bom planeamento, de bons valores para a ciência e de excelência na promoção do melhor trabalho científico.

No contexto da sua investigação, esteve envolvida numa Ação COST. Que balanço retira desta experiência, e que dicas gostaria de partilhar com a restante comunidade científica da U.Porto, de forma a incentivá-los a integrar, também, uma ação COST?
Estive envolvida numa Ação COST num período de transição na minha carreira, quando estava contratada ainda como Assistente Convidada e, por isso, a tempo parcial. Também apanhou o período de finalização do Doutoramento. Tive a sorte de poder estar numa Ação COST onde a voz dos/as investigadores/as mais jovens era muito valorizada, onde as diferenças hierárquicas entre seniores e juniores praticamente não se sentiam, com gente de muitas nacionalidades. Por ter mais tempo livre em mãos, dado estar a tempo parcial, trabalhei ativamente em alguns dos working groups e, por isso, obtive financiamento para poder ir às reuniões de trabalho que se foram realizando um pouco por toda a Europa. Ajudei a desenhar uma formação para os participantes, recebi e orientei um investigador ainda mais jovem numa short term scientific mission (STSM), participei num pequeno projeto de investigação, assisti a ótimas conferências e participei em workshops com técnicas pedagógicas muito inovadoras, recebi conselhos e beneficiei, acima de tudo, de muitas conversas honestas e espontâneas sobre como se faz ciência na Europa e quais os principais desafios e oportunidades de crescimento profissional. No fundo, a Ação COST teve, para mim, um efeito extremamente positivo ao validar as minhas competências como jovem investigadora (à época) e a ajudar-me a desenvolver outras que ainda não tinha ou não dominava – e tudo num ambiente extremamente amigável, cientificamente rigoroso onde a curiosidade científica realmente predominava. Obter uma Ação COST como entidade principal pode ser muito difícil (já fiz parte de um consórcio que se candidatou 3 vezes mas sem sucesso), mas a integração numa Ação COST em curso é bem mais fácil. Bastará aceder ao site, saber quais as que estão a acontecer, selecionar a que exista numa área de interesse e, a maior parte das vezes, bastará contactar o/a chair explicitando o interesse em se ser integrado. Acresce que as Ações COST têm objetivos muito claros de fazer a comunidade científica interagir com stakeholders e utilizadores da ciência, no fundo, com a sociedade civil e as instituições que podem beneficiar do know-how científico, pelo que também esse aspeto pode ser muito interessante para boa parte da comunidade científica da U.Porto.

A pandemia de COVID-19 gerou um aumento de fraudes e crimes económicos. Ao mesmo tempo, o caos e a incerteza da crise levam muitas pessoas a justificar maus comportamentos que, em outras situações, teriam sido impedidos por códigos de ética. Quais considera serem os danos, no longo prazo, e os desafios mais prementes?
A pandemia de COVID-19 em Portugal levou a um aumento do registo de determinados ilícitos, como o de especulação, sem dúvida. Mas ainda nos faltam dados para saber se houve ou não aumento noutro tipo de crimes económicos e, caso tenha havido, se decorreram de forma mais ou menos direta da pandemia. Em teoria, sim, a pandemia proporcionou situações excecionais que podem ter facilitado uma série de fraudes e crimes económicos, mas não se esqueça também que levou à suspensão de muitas atividades económicas, pelo que temos que analisar os dados com cuidado. Momentos de incertezas e de grandes e súbitas transformações podem conduzir, no mundo dos negócios e das empresas, a comportamentos menos honestos ou mesmo ilícitos. E, pelo contrário, os crimes económicos e as fraudes também podem facilitar crises, como sucedeu com a crise económica de 2008. Há que considerar ainda que, no que toca à criminalidade económica, se tem provado que o efeito dissuasor da lei penal é diminuto e que, por isso, se tentam pôr em funcionamento outras estratégias, como a compliance, a auto-regulação, seja através de códigos de ética nos negócios ou em determinadas organizações ou setores de atividade, seja através de outras estratégias. A meu ver, os danos da criminalidade económica são multi-facetados. Podem ter impactos muitíssimo negativos no ambiente, impactos nas condições económicas de sociedades e conduzir, segundo a literatura, a um ambiente de desconfiança face às instituições sociais. No entanto, a atividade económica é, em muitos aspetos, indispensável às nossas vidas quotidianas nos seus aspetos mais essenciais, de modo que pode haver uma tolerância social instituída a diversos tipos de ilícitos económicos, especialmente aqueles que sejam considerados menos gravosos. Um dos desafios primeiros, e que é de especial importância quer para a investigação científica nesta matéria, quer para o esclarecimento das comunidades e o desenho de políticas públicas, passaria pela criação de bases de dados rigorosos e sistematicamente recolhidos. Sem isso, teremos sempre muitíssimas limitações para conhecer a verdadeira extensão do problema e para tentar calcular as suas consequências. Outro dos desafios centrais para as sociedades ocidentais modernas (e não apenas para Portugal) é o de encontrar mecanismos judiciais mais eficazes para detetar, investigar e sancionar este tipo de criminalidade, mesmo a mais complexa. Finalmente, haveria que repensar os limites à atividade económica de modo a que possam existir incentivos para os atores económicos serem valorizados, não apenas na procura do lucro a qualquer custo, mas também no modo ético e lícito como tal é realizado. No entanto, como para outros tipos de crime, não existe uma solução one size fits all e, acima de tudo, é imperioso que haja mais investigação científica criminológica nesta matéria de modo que se possam propor intervenções fundadas na evidência científica.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na área da Criminologia e, em particular, no que à ética, nas suas várias expressões, respeita? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A Criminologia tem, parece-me, beneficiado de uma crescente valorização no nosso país. Neste momento não temos indicadores oficiais atualizados, mas parece-me que o/as graduado/as em Criminologia têm encontrado mais oportunidades de emprego do que há 10 anos atrás. Por várias razões: pelo mérito e qualidade de colegas que foram pioneiros na exploração do mercado de trabalho, de há 10 anos para cá; pelo trabalho de muitas pessoas que têm esclarecido potenciais entidades empregadoras sobre a valência de se ter um/a criminólogo/a na equipa de trabalho; pelo estreitamento de contactos entre instituições interessadas nestes profissionais e as instituições que as formam, como a própria U.Porto e a sua Escola de Criminologia. Haverá outras razões, certamente, mas a aceitação gradual de criminólogo/as no mercado de trabalho é um fator que indicia que, sim, que a Criminologia tem sido progressivamente mais valorizada em Portugal. Outro fator que identifico na minha experiência na Escola de Criminologia da FDUP é o facto de eu e o/as meus e minhas colegas sermos frequentemente chamado/as a produzir conhecimento para entidades relevantes no âmbito, por exemplo, do sistema de justiça criminal ou por entidades preocupadas com a prevenção de determinados tipos de crime ou comportamentos problemáticos com que se deparam na sua área de atuação. Esta procura, por parte de stakeholders relevantes, de conhecimento científico produzido pela Escola de Criminologia será também um indicador da relevância social desta área, mostrando que o conhecimento criminológico produzido é importante e pode ser usado para avaliar a eficácia de processos, conhecer melhor os resultados das práticas das instituições ou ajudar a desenvolver mecanismos de prevenção de crimes. Em termos mais gerais, a oferta de mais graus em Criminologia fora da U.Porto é também augúrio da sua relevância e procura, ao mesmo tempo que revela a quantidade e qualidade da massa crítica que ali dá aulas e investiga. Como já dizia Durkheim, o crime é um fenómeno normal – na medida em que não há sociedades sem crime – e ainda há muitas áreas que beneficiariam amplamente de uma análise criminológica e da intervenção da Criminologia na oferta de evidências científicas sobre os fenómenos. Uma delas, sobre a qual tenho trabalhado nos últimos anos, é a área da criminalidade ambiental, ou seja, dos crimes e ilícitos que causam danos ao meio ambiente, à fauna e flora, a habitats naturais (e que causam danos sociais, económicos e para a saúde dos seres-humanos), como sejam a pesca ilegal, a poluição, os incêndios florestais, o tráfico de vida selvagem, ou outros crimes contra a natureza. Numa altura de emergência climática e quando se acredita que a COVID-19 é uma doença zoonótica, estou convencida que Portugal beneficiaria amplamente de uma abordagem criminológica aos crimes e ilícitos ambientais.

Que conselho daria a um jovem investigador em início de carreira?
Se me permitem, vou dar conselhos a uma jovem investigadora – creio que todo/as estamos conscientes que o género ainda deve ser considerado quando se pensa, mesmo que em abstrato, sobre conselhos para um início da carreira. Além do mais, terão de ser conselhos dirigidos a uma jovem investigadora nas ciências sociais – já que as carreiras nas ciências ditas exatas ou nas artes devem certamente ser diferentes e não possuo experiência suficiente para falar delas. Fazer carreira na ciência e no ensino superior não é propriamente fácil. Há precariedade, constantes avaliações, o processo de publicação e de submissão a projetos implica muitas rejeições de trabalhos ou propostas que nos são importantes, e tudo isto pode ter um impacto profundo na motivação e bem-estar. O primeiro conselho: self-care é essencial e passa por ter uma boa rede de suporte social ou familiar, acesso a apoios na saúde e bem-estar mental e na gestão do stress. O segundo é procurar ter um bom work-life balance, que é tantas vezes tão difícil até porque, como ainda sabemos, o apoio à família (sejam as crianças, sejam os progenitores) recai ainda muito sobre as mulheres e a carreira académica implica sempre um volume de trabalho muito intenso, que pode ser difícil de conciliar com aquelas exigências familiares. Saber escolher os desafios, é outro conselho. Dizer “sim” (a novos projetos, parcerias, publicações, desafios) é tão importante quanto saber dizer “não” - por isso convém ser-se estratégica (que não é o mesmo que utilitarista) na seleção desses desafios e na energia que se coloca em cada um. O último é construir relações positivas com colegas – acho que o networking é muito importante, não apenas em termos de poder trazer oportunidades de colaborações, mas especialmente em termos do crescimento pessoal que se obtém do contacto com outras experiências e realidades. Em termos pessoais, conto pelos dedos de uma mão as más experiências que tive com colegas (que também aconteceram, sem dúvida). Normalmente, o que encontro é grande generosidade para com investigadores em inícios de carreira e curiosidade genuína pelo seu trabalho e pela sua pessoa. Principalmente, acho que o networking com colegas de outros países é muito positivo e uma jovem investigadora pode sempre beneficiar de intercâmbios internacionais, como os que são oferecidos pelos programas de mobilidade Erasmus+. Acredito que todas estas sugestões podem ajudar a aumentar a resiliência e a melhorar a autoconfiança de quem está no início de carreira, permitindo mais espaço para crescer, para se especializar e para ter oportunidades para publicar, investigar e trabalhar em equipa.
 


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